Cultura

Tomatito: "O flamenco é a raiz de um povo criada do zero"

José Fernández Torres, o Tomatito, guitarista espanhol, tem 65 anos. FOTO: DR

Guitarrista flamenco toca ao vivo esta quarta-feira no Porto e na quinta em Lisboa. JN entrevistou o lendário artista espanhol.

Com a morte de Paco de Lucía e Manolo Sanlúcar, Tomatito é um dos poucos sobreviventes entre os melhores guitarristas de flamenco do Mundo. Esta quarta-feira toca na Casa da Música, no Porto, e na quinta sobe ao Centro Cultural de Belém, em Lisboa, acompanhado do  filho José del Tomate. 

Tomatito é  José Fernandez Torres, 65 anos, filho do grande guitarrista El Tomate, segunda geração de músicos. Passou a infância em Pescadería, Almeria, mas rapidamente mudou-se para Málaga, onde começou a sua trajetória como profissional da guitarra. Ali colidiu com o génio, Camarón de la Isla. Juntos, fizeram história no flamenco, partilhando palcos em todo o Mundo. Entre outros feitos  ganhou sete Grammys Latinos e gravou a banda sonora do filme “O advogado do diabo”. 

Começa a sua carreira logo com os melhores, como Camarón de la Isla e Paco de Lucía. Sente saudades?

Muitas, isso foi o melhor que aconteceu na minha carreira artística. É um pedaço de tempo inesquecível com Camarón e Paco.

Esse duo foi a sua grande influência?

Sim,  Paco de Lucía e Camarón de la Isla são as minhas grandes referências. 

Desde esses idos anos 1970, como vê a evolução do flamenco?

O flamenco é uma música muito sábia, entram muitas coisas novas, mas somente ficam as que valem. Por exemplo, quando o Paco de Lucía trouxe o cajón peruano, ele ficou e agora todos os flamencos o usam. Porque era válido. Agora este flamenquito... quando não respeita a raiz, é outra coisa.   

Ainda sente desafios diários na guitarra flamenca?

Sempre. Quando Paco de Lucía nos abriu as portas da música do mundo começámos todos a investigar. Continuo a ser muito curioso e a querer explorar harmonias novas. Adoro música jazz, especialmente desde que comecei a trabalhar com Michel Camilo e desde que fui à Argentina que fiquei apaixonado pelo Piazzolla. Também adoro música clássica, por isso decidi gravar o “Concierto de Aranjuez”, de Joaquín Rodrigo. 

Onde encontra inspiração para as suas composições?

É algo muito pessoal, mas penso que todos nós, os flamencos, encontramos a inspiração quando estamos todos juntos num festival e essa misteriosa energia nos contagia. 

Como vê o flamenco na música contemporânea?

Isso não é flamenco, o flamenco é a raiz de um povo criada do zero. O que acontece agora cheira a flamenco e está bem. É bem-vindo. Mas uma casa não se começa pelo teto. Com a música é a mesma coisa.

Há algum concerto que tenha na sua memória como um dos melhores?

Tenho muita sorte do público gostar de mim, é difícil escolher um. Mas lembro-me de um em Montepellier com o Camarón, e quem nos anunciava era o Quincy Jones. Isso foi muito grande.  

Ganhar os Grammys Latinos foi marcante na sua carreira?

Sim, mas não temos de ficar presos pelos prémios que ganhámos e ficar a dormir. Foi algo muito bom, mas tenho de perseguir a inquietude. 

Qual é a sensação de tocar com o seu filho, sendo já a terceira geração?

É uma sensação muito boa, ele porta-se muito bem, e toca bem. E nunca lhe impus nada, os filhos não devem seguir os pais obrigados. Ele é um enamorado do instrumento. 

Que repertório traz para os concertos em Portugal?

No programa para Portugal trago aquilo a que chamo um passeio pela minha música, repertório de Paco de Lucía, de Camarón de la Isla e também  trago uma zambra muito bonita, do Niño Ricardo que é o meu filho que toca . Algo que creio  que vai fazer o público passar muito bem e desfrutar destas noites. 

Catarina Ferreira