Lapso na transcrição de escuta omitiu o apelido Silva, de António Costa Silva. Despacho indicava que Lacerda Machado ia falar diretamente com chefe do Governo.
Um erro na transcrição de uma escuta telefónica em que o consultor Diogo Lacerda Machado foi ouvido a conversar com o então CEO da Start Campus, Afonso Salema, deu a entender que o primeiro prometia exercer influência sobre o primeiro-ministro, António Costa, quando na verdade se referia ao ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva.
“Eu vou decifrar essa, se é economia ou finanças. (...) Se for finanças, eu falo logo com o Medina ou com o António Mendes, que é o secretário de Estado. Se for economia, arranjo maneira depois de chegar ao próprio António Costa”, lê-se no despacho do Ministério Público (MP) com as provas recolhidas e que serviu de base para os interrogatórios dos arguidos pelo juiz de instrução Nuno Dias Costa, com vista à aplicação, agendada para hoje, de medidas de coação.
As frases de Lacerda foram proferidas a 31 de agosto de 2022, em resposta ao pedido do CEO da Start Campus para que aquele convencesse o Governo a suscitar, junto da Comissão Europeia, alterações aos códigos de atividade económica para os “data centers”. E começou a fazer parangonas nos jornais na quarta-feira, um dia depois de António Costa apresentar a sua demissão.
“Não faço essa injúria ao MP”
Até hoje, era ponto assente que Lacerda Machado mostrava, naquela escuta, que falaria diretamente com o primeiro-ministro, seu amigo. Mas, pela manhã, à entrada para o tribunal, em Lisboa, o advogado Manuel Magalhães e Silva revelou que, na véspera, o seu cliente avisara que a transcrição da escuta omitia o apelido Silva, de António Costa Silva. “O que estava em causa era falar com o ministro da Economia, António Costa Silva”, explicou ontem o advogado, que, sábado à noite, após o interrogatório de Lacerda, já dissera que, “em momento nenhum do processo”, o seu cliente “invocou, direta ou indiretamente, o nome do primeiro-ministro”.
O MP “reconheceu” o lapso, contou o advogado, afirmando que “os lapsos involuntários não têm gravidade nenhuma sob o ponto de vista subjetivo”. “Têm apenas gravidade sob o ponto de vista objetivo. Se foi intencional ou não, eu não faço essa injúria ao MP”, afirmou, reportando-se aos procuradores titulares do inquérito, João Paulo Centeno, Hugo Neto e Ricardo Correia Lamas.
Para o presidente do Sindicato dos Magistrados do MP, o lapso “não é muito problemático, porque qualquer sujeito processual tem acesso ao suporte áudio e é esse que tem validade enquanto meio de prova”. Adão Carvalho também lembrou que, por norma, as transcrições cabem à PSP ou à PJ, sendo que, neste inquérito, o MP do Departamento Central de Investigação e Ação Penal voltou a optar por se fazer coadjuvar pela PSP e por dispensar a PJ, à qual a lei atribui “competência reservada” na investigação de crimes de corrupção, entre outros.
MP quer Lacerda e Escária presos
Hoje, a partir das 15 horas, o juiz de instrução vai anunciar medidas de coação para os cinco arguidos detidos e para a Start Campus, também ela arguida. O MP pediu a mais pesada, prisão preventiva, para Lacerda Machado e de Vítor Escária, chefe de gabinete de António Costa até sexta-feira, por alegado perigo de fuga, de perturbação do inquérito e continuidade da atividade criminosa. “Espero que o senhor juiz não siga esta proposta ultramontana do MP”, reagiu o advogado de Lacerda Machado.
Para Afonso Salema, o MP pediu uma caução de 200 mil euros e a proibição de contactos, medida também promovida para o outro administrador da Start Campus, Rui Oliveira Neves, a par de uma caução de 100 mil euros. Segundo a Lusa, o MP quer que o presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas, tenha o seu mandato suspenso e seja proibido de contactos e de entrar na autarquia.