No programa deste ano do prestigiado Festival de Cinema de Berlim há ainda filmes de Ferrara, Assayas, Dumont, Téchiné, Tsai Ming-liang e o inevitável Hong Sang-soo.
Começa esta quinta a 74ª edição da Berlinale, um dos festivais de cinema mais importantes do mundo, que decorre na capital alemã até ao próximo dia 25, quando serão anunciados os principais prémios, entre os quais o tão desejado Urso de Ouro.
A expectativa do que se poderá ver em Berlim nos próximos dez dias é ainda maior do que o habitual, tratando-se da última edição com direção conjunta de Carlo Chatrian, que viera de Locarno, e de Mariette Rissenbeek que, depois de arrumada a casa e fechadas as contas, serão substituídos por Tricia Tuttle, com mais de trinta anos de experiência em Inglaterra, em festivais e na National Film and TV School.
O cinema português tem um bom histórico recente na Berlinale. Depois de vencer o Urso de Ouro da curta-metragem em dois anos consecutivos, com “Balada de um Batráquio” (Leonor Teles, 2016) e “Cidade Pequena” (Diogo Costa Amarante, 2017), e da presença a concurso de filmes de Ivo M. Ferreira (Cartas da Guerra) e Teresa Villaverde (Colo), João Canijo venceria o ano passado o Urso de Prata do Prémio do Júri com uma das partes do seu díptico, “Mal Viver”.
É precisamente na secção competitiva Encounters, onde Canijo exibiu o contraponto ao seu filme, “Viver Mal”, que Margarida Gil tem a seu cargo a presença portuguesa mais importante no festival deste ano, com “Mãos no Fogo”. O filme, livremente baseado em “Turn of the Screw”, de Henry James, acompanha uma jovem que realiza um documentário numa mansão do norte do país, descobrindo, em busca da verdade e do real, segredos bem guardados, revelados pela sua câmara.
Margarida Gil oferece-nos uma obra intrigante que se vai descobrindo aos poucos, citando Sirk, pelo lado pictórico, Buñuel, pela animalidade, Oliveira e Agustina, pelas ambiências e pelo universo nefasto, mas sem perder a identidade do seu cinema, muito ligado à terra, aos elementos, ao corpo. No fundo, apesar de enraizado num certo classicismo, esta homenagem de Margarida Gil ao próprio cinema tem uma abordagem surpreendentemente moderna, alicerçada ainda pela magistral fotografia do mestre Acácio de Almeida.
A restante presença portuguesa é composta sobretudo por coproduções, com destaque para “L’Empire”, de Bruno Dumont, em competição, com participação da Rosa Filmes. Na seção Forum, Filipa Reis e Marinho de Pina apresentam “Resonance Spiral”, coprodução entre Portugal, Guiné-Bissau e Alemanha, enquanto “As Noites Ainda Cheiram a Pólvora”, de Inadelso Cossa, conta com capitais de Moçambique, Alemanha, França, Portugal, Países Baixos e Noruega.
Ao contrário de Cannes, onde as seções paralelas Quinzena dos Realizadores e Semana da Crítica se enquadram no festival e se realizam em espaços contíguos, a mais recente Semana da Crítica de Berlim, apesar de decorrer em simultâneo, ainda não conseguiu essa integração mais orgânica na Berlinale. No entanto, deve-se salientar a seleção para a edição deste ano da curta-metragem “Noturno para uma Floresta”, de
Catarina Vasconcelos, que tinha ganho o Prémio da Crítica Internacional na seção Encounters de 2020 com “A Metamorfose dos Pássaros”.
A participação portuguesa em Berlim fica completa com três presenças no dispositivo Berlinale Talents, a jornalista Cátia Rodrigues, o ator e realizador Rafael Morais e o realizador e argumentista Bruno Barreto e com a série “Matilha”, de Edgar Morais, coprodução entre a RTP e a Amazon Prime Video, na Berlinale Series Market. Finalmente, a Ukbar Filmes de Pandora da Cunha Telles foi selecionada como uma das cinco produtoras a integrar o Company Matching Programme do Mercado Europeu do Filme, que decorre em paralelo com o festival.
A Berlinale abre hoje à noite com o irlandês “Small Things Like These”, de Tim Mielants, um dos vinte filmes a concurso, que serão julgados por um júri presidido pela atriz, produtora e autora Lupita Nyong’o. Na lista, além do filme de Bruno Dumont, encontram-se últimas obras de Piero Messina, Abderrahmane Sissako, Alonso Ruizpalacios, Mati Diop, Olivier Assayas, Andreas Dresen e Hong Sang-soo, com a particularidade de, em “A Traveler’s Needs”, o coreano sair da sua habitual zona de conforto ao dirigir Isabelle Huppert.
Polémica lançada, as autoridades iranianas retiveram os passaportes de Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha, o que impede os realizadores de assistir à estreia mundial de “My Favorite Cake”, também a concurso.
Nas outras seções do festival podem ainda ser vistos os mais recentes trabalhos de Abel Ferrara (“Turn in the Wound”, com textos e música de Patti Smith interagindo com experiências de guerra de soldados ucranianos), Tsai Ming-liang, Nicolas Philibert, vencedor do Urso de Ouro de 2023 com “Sur l’Adamant”, experiência que segue com “Averroès & Rosa Parks”, André Téchiné, Atom Egoyan ou Amos Gitai. Sucedendo a Steven Spielberg, Martin Scorsese receberá um Urso de Ouro de Honra.