A primeira noite de Vilar de Mouros, ineditamente gratuito e aberto a todos aqueles que por cá quisessem passar, foi uma história em três atos. Dois de glória e um de sofrimento. Mas no final, tudo acabou bem – com uma imagem que, descreveram os próprios Delfins, “vamos guardar para sempre”.
Primeiro, houve um The Legendary Tigerman pouco conhecido pelo público que marcou presença na margem do rio Coura – inexperiência notada pelas poucas bocas que se mexiam para cantar qualquer que fosse a música – e que ainda assim, já o “baile” ia a meio, conseguiu convencer a trupe com a palavra que, confirmamos mais uma vez, é ordem neste festival: “rock”. A setlist de Paulo Furtado terminou com as músicas mais junto à sua “espinha dorsal” e isso agarrou e preparou a energia do público para o que se seguia.
E o que se seguia? Uma aposta ganha. GNR entraram com um clássico – e não soubéssemos que era um clássico, logo o perceberíamos pelo mar de telemóveis que se ergueram para gravar “Pronúncia do norte”, naquele que foi o único concerto da noite que levou a casa do Vilar de Mouros a estar perto de cheia. Nas palavras de Rui Reininho, foi um “tsunami GNR”. Não podia estar mais de acordo.
Uma mistura de coisas
Sobre o concerto, talvez uma palavra o pudesse resumir: amálgama. Uma amálgama de nomes (referiu nomes como David Fonseca a Canário, passando por Quim Barreiros), de comentários sem qualquer prurido (“cheira a erva e ainda bem”, disse Reininho a certa altura) e homenagens pouco enquadradas (como quando deu um bem-haja à cidade de Viana do Castelo por ter sido a primeira do país anti-touradas – isto já em 2009).
Houve ainda mais uma mensagem: durante a música “Sangue Oculto”, assim que se entoou o verso “é como saltar a fogueira”, todo o espetáculo entra num suspenso de silêncio e escuridão. Não foi um minuto de respeito, mas mais um segundo de respeito, seguido da explicação: “um abraço para a Madeira” (atualmente fustigada por várias frentes de fogo).
Quem subiu de seguida ao palco não teve a vida tão facilitada como os caóticos mas sempre amados GNR. O conjunto Amália Hoje chegou com uma visível vontade de fazer história. O público é que não parecia estar disposto a isso. E os próprios, em especial Sónia Tavares e Fernando Ribeiro, notaram-no, não fosse a quantidade de comentários feitos suplicas por mais interação dos festivaleiros.
Uníssonos dispares
O concerto durou cerca de uma hora e trinta minutos e o único momento em que Vilar de Mouros pareceu sair de um estado de apatia foi quando a celebração dos 50 anos do 25 de abril foi evocada. “Viva a liberdade”, gritou Paulo Praça. E, pela primeira vez, houve gritos em uníssono.
Um uníssono diferente foi o de Delfins. Não houve uma única música que não tenha sido cantada, em parte, pelo conjunto de resistentes da 1 hora da manhã. Depois da casa cheia de GNR se ter mantido para Amália Hoje (ainda que murcha), a banda de Cascais teve cerca de meia casa – mas uma que valeu por duas.
O concerto foi, pela exata ordem, o de celebração dos 40 anos que aconteceu há meses na MEO Arena, em Lisboa. Desta feita em versão encurtada, com apenas 2/3 do alinhamento. Uma condensação acertada para manter a energia sempre no pico – quer nos clássicos quer nos menos clássicos.
No final, ficou a sensação de termos assistido a uns Delfins renovados, como se, a certa altura, o tempo (e as idades) tivessem voltado para trás. Com um espetáculo de vídeo e luzes no ponto, ao nível dos maiores nomes internacionais, houve saltos, dança e até um Miguel Ângelo a “desfilar” pela língua do palco, entre o público, numa “hoverboard” – qual Deus entre os seus discípulos.