Novo talento australiano estreia-se em Portugal durante a primeira digressão internacional. Atua no Porto esta sexta-feira.
Será a primeira vez num palco português, mas não é a primeira nem a segunda que está em Portugal. A australiana Maple Glider, pseudónimo de Tori Zietsch, esteve à conversa com o JN e confessou que “o Porto foi estrategicamente pensado para terminar a digressão” pelo seu gosto imenso pela cidade e pelo país. Traz os seus álbuns, “To enjoy is the only thing” (2021) e “I get into trouble” (2023), focados na vivência da religião enquanto criança. A cantora atua esta sexta-feira, 20 de setembro, na Socorro (Porto), às 19 horas.
Tem álbuns intensos e profundos. Como é falar destes sentimentos ao vivo em frente a tantas pessoas?
É engraçado porque acaba por ser ao contrário do que seria de esperar. Num concerto há tanta gente e tanta gente focada e a partilhar esses mesmos sentimentos que acabam por dar uma leveza maior ao momento do que quando estou, por exemplo, com duas ou três pessoas que me conhecem fechada num estúdio. E eu gosto de estar na multidão e partilhar as minhas músicas com pessoas diferentes porque isso é o que torna tudo divertido.
Experienciar esta intensidade é diferente ao vivo do que ouvir o álbum em casa?
Há pelo menos uma pessoa em cada concerto que está o tempo todo a chorar. Acho que o meu espetáculo é uma boa experiência catártica. É importante a parte das pessoas se conectarem com a música, por isso gosto de parar para explicar algumas histórias e, ao mesmo tempo, dar alívio às pessoas e fazê-las rir, permitindo sentimentos que não sejam apenas intensos. Até porque não quero que as pessoas chorem tudo e mantenham alguma água no seu corpo [ri].
O trauma da religião é a base dos trabalhos. Como tem sido a reação em diferentes países, principalmente religiosos, a esta visão?
Conheço muitas pessoas que vão aos meus espetáculos, em várias partes do Mundo, que são religiosas. O que eu faço é partilhar a minha experiência, não importa sobre o que seja. Os temas de que trato conectam-se com as pessoas, mesmo que elas tenham a sua fé e que o façam de de forma diferente da minha. Não quero que a música seja apenas para pessoas que não têm fé. Qualquer um pode ouvir e conectar-se, até porque é comum haver esta memória de símbolos cristãos e a ideia das histórias bíblicas que refiro.
A religião influenciou-a, não só no conteúdo, mas também na forma da música?
É interessante porque, se refletir, acho que sim. Mas não de forma consciente. Eu cantava todas as semanas na igreja e essa música religiosa era muito natural para mim. Na produção de algumas músicas tenho algum coro que soa como um órgão, associado com a religião. Talvez seja por aí que tenho também essa conexão. E é engraçado ver como isso aconteceu sem ser pensado.
Como foi o processo de “Dina”, uma das histórias bíblicas do último álbum?
Era uma história que lia várias vezes em criança porque fazia parte de uma coleção de histórias bíblicas infantis. Estava muito desconectada da minha experiência de crescimento dentro da religião e não associei a memória dessa história com a minha identidade. Foi mais ou menos na casa dos 20 anos de idade que comecei a reconhecer certas experiências e ensinamentos do passado e a forma como estes afetavam a minha vida presente inconscientemente. Então, tropecei novamente nesta história há cerca de quatro anos e, a esta distância, pensei: “isto é horrível”.
Tinha outro olhar sobre a história, agora.
Completamente. Aquela narrativa é tão problemática e dói saber que esse tipo de ideia está comigo há tanto tempo. Foi uma boa oportunidade para processar e desaprender, para poder ver o mundo de forma diferente, mais consciente.
Depois de dois álbuns emocionalmente pesados, podemos esperar felicidade?
Eu tenho tentado escrever mais canções de amor. Quando me apanho a escrever outra vez sobre Deus castigo-me a mim mesma [ri enquanto faz o resto de bater na própria mão]. Estou interessada em não discutir mais os traumas da religião, já passei por esse processo catártico e, no meu próximo álbum, só tenho algo mais recente e fresco inspirado por alguns momentos bonitos dos últimos dois anos.