Ana Miralles e Emílio Ruiz traçam o retrato de uma mulher frágil quando longe das luzes da ribalta.
O ano é 1954 e Ava Gardner, após alguns dias de descanso, em Cuba, com Hemingway, parte para o Rio de Janeiro para iniciar a promoção do filme "A Condessa Descalça". Durante dois dias vai viver uma montanha-russa de emoções, num país conturbado. "Ava", obra de Emílio Ruiz e Ana Miralles, que a Ala dos Livros lançou entre nós, narra com pormenor, como um autêntico documentário desenhado, uma estadia preparada ao detalhe, que acaba por redundar num fracasso. A razão? As emoções à flor da pele por parte dos vários intervenientes.
Ava Gardner, a protagonista, vive tempos conturbados. Para além do cansaço da rodagem do filme, atravessa um processo litigioso de divórcio com Frank Sinatra e tem de resistir às investidas indesejadas do todo-poderoso magnata Howard Hughes. Pouco dada a cumprir protocolos ou mesmo a seguir medidas de segurança, pressionada pela paixão popular e pela perseguição implacável da imprensa, a actriz vai revelar uma fragilidade menos conhecida, agravada pelo contexto político descontrolado devido à morte recente do presidente Getúlio Vargas e pela volubilidade daqueles que num momento idolatram e aplaudem e no seguinte abominam, criticam e vaiam.
Esta inconstância é retratada por Ana Miralles de forma soberba, conseguindo ao mesmo tempo transmitir a beleza e a sensualidade de Ava, mas também as suas fraquezas e indecisões, as súbitas mudanças de espírito, a impulsividade ou o peso do passado, com um traço realista, expressivo, delicado e perfeito na representação da figura humana e dos cenários reais em que a narrativa decorre, e que as belas cores vivas aplicadas tornam sedutor e muito agradável. E de que a capa do livro é desde logo um belo exemplo.
O argumento de Ruiz espelha uma pesquisa cuidada e aprofundada, realçada por pequenos episódios anódinos ou apontamentos mais pessoais incluídos no relato, que transmitem credibilidade e, em paralelo com uma reflexão sobre o peso incómodo da celebridade, proporcionam um retrato íntimo da diva, quando longe das luzes da ribalta e entregue a si mesma e à sua solidão.