Uma campanha orquestrada contra o Ministério Público. Foi assim que Lucília Gago, sem pestanejar, assegurou ser a matriz e o poço sem fundo original das críticas. A ideia de uma base orientada e organizada para atacar o Ministério Público paira pela voz da Procuradora-Geral da República desde que agitou a bandeira da desresponsabilização pelas suas decisões e omissões, atirando o Estado de direito para a suspeição que apenas pode salvar uma pele. A sua.
Se, em Julho, a entrevista da Procuradora à RTP já havia sido um desfile de falta de compromisso com o dever de explicar, como se vestisse um passa-montanhas para seguir em frente, já as declarações na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias adensaram o habitual passeio do nada e pouco mais, com a agravante de serem proferidas na casa da democracia que, aparentemente, não é assim tão importante para o esclarecimento da verdade. O que tivemos servido como aperitivo de saída da função (Lucília Gago termina a sua “missão” em Outubro) foi a confirmação da convicção de que a protagonista é a pessoa errada no lugar errado, um lapso de “casting” sem a mínima noção do favor que tem feito à descredibilização da Justiça como terreno de todos, pátio igual e equitativo, património da democracia.
Ao reduzir todos os atropelos a excessos “excepcionais”, sejam eles escutas por tempo indeterminado, prisões preventivas prolongadas ao gosto dos processos, fugas de informação e violações constantes e sistemáticas do segredo de justiça oriundas das mesmas fontes, megaprocessos condenados a serem cordeiros da prescrição para acusados, o que nos é dito sobrevaloriza o silêncio. De facto, mais valia manter o silêncio, aquele que emoldurou durante meses a fio, a sermos confrontados com teorias de desculpabilização, como se tudo lhe fosse alheio sem a mínima perspectiva crítica, alimentando teorias que adensam o julgamento popular, o olho-por-olho-dente-por-dente e violam a presunção de inocência dos arguidos. A melhor ideia de justiça não é aquela que salta para cima de um caterpillar nem aquela que quer encostar um copo à parede.
E, depois, o inesperado. Provando que há sempre espaço para a surpresa, a convicção de Lucília Gago dita umas palavras para a construção sexista de que há uma maioria de mulheres funcionárias judiciais com idade até aos 30 anos que é um “factor de agravamento de constrangimentos em razão de situações de gravidez, gravidez de risco, de baixa para assistência a filhos menores, gozo de licença parental, ausência para efeitos de amamentação”. Foi uma Procuradora-Geral que o disse. Sem acrescentar uma vírgula, uma linha, um ponto. Sem qualquer preocupação em saber se será bem entendida ou se poderá estar a contribuir para a destruição de uma noção de bem comum ou de civilização.
O autor escreve segundo a antiga ortografia