Praça da Liberdade

A todos uma boa operação policial

Já chegamos ao Natal. O pinheiro de Natal já está iluminado, as bolachinhas de canela e gengibre já estão no forno e amanhã lá estaremos a bater com as costas na Parfois a comprar uma bijutaria para aquela prima afastada. Dá ideia de que este ano passou a correr, mas depois lembramo-nos de que este Governo só está em funções desde março e 2024 parece uma eternidade.

É Natal e o primeiro-ministro, talvez por ter ido com uma coligação com o partido democrata cristão, está verdadeiramente imbuído do espírito de paz e solidariedade desta quadra tão bonita. É certamente por isso que a PSP foi esta semana até ao Martim Moniz, em Lisboa, segundo as suas palavras, "transmitir sentimentos" à população. Não sei se viram as imagens da praça central, mas eram tantas sirenes ligadas que as carrinhas da Polícia de intervenção meteram a um canto as luzinhas a piscar do Terreiro do Paço. Eu vi as imagens e não tenho a certeza se transmitiram o sentimento de segurança que pretendiam. Uma rua cheia de pessoas encostadas à parede. Quem não soubesse o que aquilo era, parecia um cordão humano como aquele por Timor-Leste, com a diferença de que aquele só tinha, praticamente, um tom de pele muito específico e, infelizmente, não estava lá o Luís Represas a cantar um hino. Portanto, eu senti indignação, vergonha e uma pitada de desilusão. Também são sentimentos. O resultado da operação foi mais pífio que uma rusga à porta de uma discoteca da moda a um sábado à noite.

Em resposta a isto, assistimos a algumas personalidades públicas a mostrarem-se a visitar a zona. Mas o Martim Moniz é mais do que comer boa comida e ir aos supermercados abastecer-nos de especiarias exóticas. Como todos os bairros, tem problemas. Parece-me bizarro alguém dizer que não tem. É uma zona descurada, onde a limpeza urbana é muitas vezes insuficiente. Há consumo de droga ao ar livre, como sempre houve, aliás. As habitações estão cada vez mais precárias e funcionam muitas delas num sistema que explora e humilha quem é mais frágil. E é por isso uma zona que merece atenção porque lá vive gente. No final do dia, a verdade é que não há dados públicos sobre criminalidade naquela zona em particular e a PSP também não avançou números, apesar de ter uma esquadra na rua imediatamente paralela a esta. Se há problemas de segurança, então do que é que se está à espera para implementar as câmaras de vigilância? O próprio presidente da Junta a que pertence a Rua do Benformoso, onde isto aconteceu, condenou esta ação e diz que tem pedido mais Polícia de proximidade para ir acompanhando a zona, a população. O Ministério da Administração Interna deve ter ouvido e pensou: bom, mais próximo vai ser impossível.

Depois de ouvir as declarações do primeiro-ministro, Luís Montenegro, em que diz que este tipo de operações aumenta visibilidade do policiamento, logo aumenta a tranquilidade dos cidadãos, resta-nos então pôr a hipótese de que tudo, para além de poder ser considerado uma instrumentalização da Polícia, foi afinal um teatrinho de Natal sobre o nascimento de Jesus: só acontece uma vez por ano e consiste em atormentar pessoas do Médio Oriente.

Há quem diga que o objetivo deste tipo de populismos por parte do Governo é esvaziar o discurso do Chega. Eu tenho muitas dúvidas que resulte, mas lá que proporcionaram um bom filme de Natal para a extrema-direita ver na consoada em loop, ai isso proporcionaram. Coitados. Estavam até agora resignados ao "Sozinho em casa" e os bandidos do filme nem sequer minimamente bronzeados são.

Cátia Domingues