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Uma aldeia alentejana está à venda por 9 milhões de euros

Aldeia desabitada e termas estão à espera de comprador Foto: Direitos reservados

Rodeada pelas paisagens do concelho de Marvão, a herdade do Pereiro está desabitada e ao abandono. Em tempos idos, a aldeia já empregou cerca de mil pessoas. Era autossuficiente, contando com habitações, escola, infantário, capela, refeitório, termas e até casino e aeródromo. Está agora à venda por 9 milhões de euros.

Os telhados caídos, o mato alto, as imensas teias de aranha e o silêncio ensurdecedor são hoje a face da, em tempos famosa e próspera, herdade do Pereiro. No histórico concelho de Marvão, esta antiga aldeia agrícola, com 20 mil metros quadrados de área habitável, 80 hectares de olivais e montado de sobreiro, fica a poucos quilómetros da vizinha Espanha e foi adquirida, no ano de 1931, por um dos maiores empresários daquela região no século XX, João Nunes Sequeira. O empresário alentejano, que construiu fortuna nos tempos do contrabando, tal como o conhecido Rui Nabeiro, fundador do grupo Delta Cafés, transformou o que era uma herdade numa autêntica aldeia que, durante mais de três décadas, foi tão funcional como qualquer outra. Hoje, os proprietários tentam, com a venda da propriedade, concretizar um negócio de milhões.

João Nunes Sequeira

Nascido a 17 de julho de 1895 em Santo António das Areias, João Nunes Sequeira era filho de pais humildes e concluiu apenas a 4ª classe. Foi ajudante de pedreiro até ingressar na C.P., onde também foi encarregado do Posto dos C.T.T. Ingressou no serviço militar e chegou a sargento enfermeiro no Hospital Militar da Estrela. Ao regressar a Santo António, abriu um pequeno comércio que, mais tarde, se tornaria num império. Em 1930, investiu no primeiro armazém e, em 1931, adquiriu a herdade do Pereiro, onde em 1937 instalou a primeira fábrica de pimentão.

As suas fábricas não pararam de galgar concelhos e freguesias do Alentejo. Apostou nos mais diversos ramos e conseguiu expandir os negócios por Cabeço de Vide, Elvas, Bemposta, Mora e Borba. Em 1940, lançou-se no ramo do calçado. Em 1954, adquiriu a Fábrica Real de Portalegre. Dois anos depois, o investimento foi outro e decidiu abrir o Cine Teatro Crisfal. Em 1959, expandiu atividade para Angola. Em Santo António, patrocinou a construção de 50 habitações, da praça de touros, da cantina escolar, da casa paroquial e do infantário. Foi também vereador da Câmara Municipal de Marvão. Os antigos funcionários recordam-no como um grande homem e um grande patrão. “Era muito humilde e não fechava as portas a ninguém. Embora não pagasse muito, oferecia trabalho a toda a gente que precisasse”, afirma Maria Ana Rabaça, que trabalhou e viveu no Pereiro. João Nunes Sequeira faleceu a 9 de janeiro de 1968.

Os anos de ouro do Pereiro

A partir da aquisição por João Nunes Sequeira, a herdade do Pereiro iria ter um crescimento enorme e muitíssimo rápido. Na década de 1940, esta propriedade já figurava como aldeia e servia de ganha-pão, bem como de residência para imensos funcionários do empresário João Nunes Sequeira. “Tinha de tudo para que uma pessoa se governasse: muito trabalho, casas, escola e creche para os filhos dos trabalhadores, cantina, mercearia, taberna, oficinas, fábricas, moinho, fornos, adegas, lagares, uma capela e as famosas termas da Fadagosa”, conta Maria Ana Rabaça.

Embora os 90 anos já lhe “atrapalham as memórias”, Maria Ana Rabaça lembra que, na aldeia do Pereiro, se produzia “conservas, vinho, azeite, enchidos, queijos, carne e de tudo o que era legumes”. Como recorda: “Ali, a gente fazia de tudo o que se existe no campo: lavrávamos, ceifávamos, apanhávamos azeitona, futas e legumes. Mas o que tenho mais saudades é de guardar o gado. Por aqui havia vacas, ovelhas e cabras, e eu gostava muito de tratar dos animais.” Na aldeia do Pereiro, há também registos de celebrações e festas religiosas próprias, para além das tradicionais do país e da região, bem como jogos de futebol entre os residentes e uma das primeiras televisões do concelho de Marvão.

Termas da Fadagosa

Pertencente à herdade do Pereiro, o complexo termal da Fadagosa tem mais de cem anos, resultando a primeira referência a esta nascente dos Quesitos Pombalinos de 1758. O auge desta estância termal foi por volta de 1923, altura em que a frequência termal rondava os 500 aquistas. “Vinham muitos espanhóis aqui às termas da Fadagosa, isto trazia aqui muita gente”, diz Joaquim Laranjo, que ainda se lembra das histórias que pai, antigo trabalhador e residente na aldeia do Pereiro, lhe contava. “As termas eram uma categoria, diziam que faziam muito bem à saúde e mexiam muito com a região”, afirma. As termas só foram concessionadas a João Nunes Sequeira em 1942 e, com o decorrer do tempo, a procura pelo local foi diminuindo, acabando por seguir o mesmo caminho que o restante da aldeia. Em 1971, já era um local ao abandono.

As maravilhas da herdade

Surpreendentemente, foi emitida para a herdade do Pereiro a primeira licença de jogo e casino em Portugal. “Havia lá um salão de jogos muito grande e até vinha gente de fora para jogar ali. O meu pai ainda chegou a perder lá muito dinheiro”, recorda com uma gargalhada.

Dizem os locais que existiu na aldeia uma pista de avião que, durante a II Guerra Mundial, devido à posição geográfica próxima da fronteira, serviu para clandestinamente passar mercadorias entre Portugal e Espanha. Há também relatos de que esta mesma pista possa ter sido utilizada pelos alemães, durante o mesmo período. “Sobre os alemães não sei nada, mas ainda vi aviões aqui a parar e a abalar", revela Maria Ana Rabaça. “Isso dos aviões eram negócios do patrão, nós não sabíamos muito sobre isso”, confidencia.

O declínio após um passado auspicioso

O negócio das conservas começou a abrandar, na década de 60, e já no final desses anos faleceu João Nunes Sequeira, deixando o império nas mãos dos três filhos. “Eles ainda tentaram segurar o negócio e dar continuidade ao trabalho do pai, mas quando a herança caiu nas mãos dos netos, eles estragaram aquilo tudo”, revela um morador da Beirã, aldeia que fica a poucos quilómetros do Pereiro e que prefere não ser identificado. Os despedimentos começaram a ser cada vez mais e, como consequência, a aldeia do Pereiro rumou ao abandono. Na década de 90, já se encontrava deserta. “É uma tristeza ver a aldeia assim. Aqui havia muita gente e movimento e agora está tudo ao abandono. Ninguém pega nisto e cada vez está mais degradado. Fico mesmo muito triste”, lamenta Maria Ana Rabaça.

A impossível venda milionária

Pelo menos desde 2011, esta herdade está à venda pelo avultado valor de 9 milhões de euros. Até aos dias de hoje, já esteve anunciada em diversas imobiliárias, mas ainda continua sem comprador. O potencial da propriedade é considerável, nomeadamente para a atividade cinegética e para o turismo de natureza e aventura, mas devido ao avultado valor pedido pelos proprietários e ao elevado estado de degradação, o imóvel continua à espera de comprador. Os locais já temem que o património caia para sempre no abandono. “A gente vê o tempo a passar, as coisas a ficarem cada vez mais velhas e ninguém lhes pega. Ficará assim para sempre?”, receia Joaquim Laranjo. 

*José Junceiro

José Junceiro é estudante do 2.º ano da licenciatura em Jornalismo, na Escola Superior de Comunicação Social (ESCS). Integra a ESCS FM, o núcleo de rádio da ESCS, onde participa em diferentes programas e experiencia muito do que aprende nas aulas. O curso superior tem sido uma enorme fonte de conhecimento teórico e prático, em diversas áreas ligadas ao jornalismo. A história que descobriu situa-se, precisamente, perto das paisagens onde cresceu: Portagem, no concelho de Marvão, Portalegre.

José Almeida

José Almeida é estudante do 2. ° ano da licenciatura em Jornalismo, na Escola Superior de Comunicação Social (ESCS). Sempre gostou de desporto e escrita e encontra no jornalismo um caminho viável de conciliar as duas áreas. No futuro, espera trabalhar numa redação de rádio, aliando os seus gostos pessoais com todos os conhecimentos que está a adquirir no curso.


Diogo Marques

Diogo Marques é estudante do 2° ano de licenciatura em Jornalismo, na Escola Superior de Comunicação Social (ESCS), onde integra, também, o núcleo de rádio ESCS FM. Desde pequeno que acalenta um gosto enorme pelo desporto, assim como por escrever. Quando concluir a formação superior, imagina-se a realizar funções que conciliem as duas áreas.

Rodrigo Caroço

Rodrigo Caroço é aluno do 2. ° ano da licenciatura em Jornalismo, na Escola Superior de Comunicação Social (ESCS). O seu apreço pelo desporto e pela escrita levou-o a escolher a área do jornalismo, com a ideia de se especializar, posteriormente, em jornalismo desportivo. Contudo, o jovem reconhece o quão importante e fundamental é a polivalência num jornalista, algo que é reforçado tanto nas aulas teóricas como nas unidades curriculares mais práticas do curso.

Redação