Saiu há poucos dias o meu disco novo – “Um gelado antes do fim do mundo”. O disco que há pouco mais de um ano julgava que não aconteceria, mas que emergiu da vontade de mudar o método de trabalho, ser mais experimental na criação, diversificar registos vocais e divertir-me durante o processo, depois de um longo hiato sem compor. Chegada aqui, além de ter cumprido essas vontades, cumpri também a urgência de pôr a minha música e a minha poesia ao serviço do momento. É que “Um gelado antes do fim do mundo” é um disco sobre o nosso tempo. Fala sobre a sobrevivência da poesia num mundo em colapso, sobre a nossa carência de futuro e de esperança, mas, sobretudo, sobre o encantamento, na arte e na natureza, como antídoto para tudo isso.
Apesar de ser um disco sobre os complexos tempos que vivemos e seus grandes desafios, é também um convite ao resgate, a partir da arte (em forma de música e poesia), do nosso compromisso com a Humanidade. Afinal, o encantamento (que está tão presente na infância e que se erode com o tempo) é o principal remédio para o cinismo, para a falta de empatia, para a incapacidade de tecer novas utopias. E eu sou daquelas românticas que ainda acreditam que a arte tem impacto e que se não muda o mundo, muda pelo menos as mentalidades, o que faz toda a diferença. Além de elevar os corações.
É um disco feito com a cumplicidade de muitos amigos. Desde logo o Luís-Montenegro-que-interessa que foi o grande cúmplice e parceiro de composição, gravação e produção, mas também muitos beatmakers, ouvidos que vieram dar uma achega e vozes que penduraram as grinaldas nos refrões: Gisela João, Sopa de Pedra e Toty Sa’med.
São doze canções e cinco poemas, que costuram tudo, como uma espinha dorsal. Entre temas mais emocionais e outros mais dedicados às questões sociais e políticas, misturam-se registos (líricos e musicais), num disco que foi construído a partir da experimentação e do cruzamento de técnicas de composição com instrumentos analógicos, com as ferramentas da música eletrónica, sempre a partir da palavra (ora declamada, ora cantarolada, ora debitada em rap).
Falo desta sensação de fim do mundo, da nossa carência de utopias, das redes sociais e do adormecimento, da ascensão da extrema-direita, das alterações climáticas, da robotização em curso, de feminismo, de luta pela liberdade, de diversidade e de gentrificação. Mas falo também sobre o Belo, a Arte e a Natureza e de como podemos resgatar a nossa humanidade, a nossa capacidade de empatizar e de sermos sensíveis ao encantamento. Ou seja, daquilo que nos mobiliza e devolve a esperança, num momento em que é mesmo preciso lutar para adiar o fim do mundo.