Cada vez mais mulheres jovens e de regiões urbanas do Afeganistão estão a abandonar a típica burca azul com renda facial, que se tornou num símbolo da opressão talibã.
Desde que regressaram ao poder, em 2021, os talibãs impuseram uma visão ultraconservadora da lei islâmica, inspirada no seu anterior regime, que vigorou entre 1996 e 2001. Mas, embora as mulheres continuem a estar obrigadas a ter o corpo e o rosto cobertos, as restrições da temida Polícia religiosa não mencionam especificamente o uso de burca, pelo que cada vez mais jovens estão a seguir a tendência encontrada em muitos países do Golfo Pérsico.
Muitas preferem uma abaya (túnica) esvoaçante, usada com um hijab (lenço para a cabeça) e, frequentemente, uma cobertura para o rosto - uma máscara médica ou um véu niqab de pano ao estilo saudita, que expõe apenas os olhos.
“A nova geração nunca aceitaria usar uma burca, por causa do design e da cor”, diz Tahmina Adel, 23 anos, de Cabul, à agência de notícias France-Presse (AFP), que reporta uma mudança de paradigma no que diz respeito à nova geração de mulheres afegãs. Com as redes sociais, “toda a gente segue as tendências”, acrescenta Adel, que foi forçada a abandonar o curso de economia que frequentava devido à proibição do governo talibã à educação das mulheres. “Prefiro usar uma abaya porque me sinto confortável com ela”, explica.
Abayas e lenços são alternativas
As jovens de Cabul e da cidade de Mazar-i-Sharif olham para as abayas e para os lenços de cabeça como opções que oferecem mais liberdade do que as burcas, com variações de cor, material e padrão. “Só as mais velhas usam burca”, comenta Razia Khaliq, bordando numa oficina em Mazar-i-Sharif. Começou a usar a burca aos 13 anos, tal como a mãe e a avó. Mas a filha, que está na casa dos 20 anos, já usa abaya: "É mais confortável."
Com longas raízes no Afeganistão, a burca foi rigorosamente aplicada durante o primeiro governo talibã no país, na mudança do milénio, quando as mulheres eram chicoteadas por não a usarem em público. Mas a combinação de abaya e hijab cresceu em popularidade durante o tempo do governo apoiado pelos estrangeiros.
Quando os talibãs reconquistaram Cabul, em 2021, prometeram ser mais flexíveis do que durante o seu primeiro governo, em que as mulheres foram privadas de quase todos os seus direitos. O prometido não foi cumprido e, gradualmente, apagaram as mulheres afegãs do espaço público, impondo aquilo a que as Nações Unidas chamaram um “apartheid de género”: proibiram os lenços de cabeça soltos, normalmente usados pelas mulheres urbanas, ordenando que as mulheres voltassem a usar a burca ou abaya, com lenço na cabeça e cobertura facial. E, em agosto, lançaram uma lei que estipula que as mulheres podem sair de casa “em caso de necessidade” e que, nesses casos, devem cobrir-se.
Repreendida por não usar burca
Nasima, na casa dos 40 anos, diz que “mostrar a cara é um pecado”. Mas admite que, por vezes, usa uma abaya e um lenço na cabeça para libertar o nariz e a boca da burca “sufocante”. Já Niha, de 22 anos, foi repreendida por não usar a burca em edifícios públicos, que são guardados pelas forças de segurança da autoridade talibã. É comum pedirem-lhe para reajustar o lenço na cabeça ou para colocar uma máscara médica. “Assim que entramos nos escritórios, somos maltratadas”, lamenta.
Hayatullah Rafiqi, especialista em cultura pashtun, explicou à AFP que a burca foi “estritamente imposta” durante o primeiro governo talibã - quando algumas mulheres eram “chicoteadas se não a usassem” - mas que “atualmente é menos usada”. Essas peças de roupa variam apenas na cor consoante a província do país, do azul ao castanho claro e do verde ao cor-de-rosa.
Gul Mohammad vende burcas em Cabul há 40 anos e diz que muitas vêm agora da China - feitas de nylon em vez de algodão, o que as torna mais baratas e mais fortes, mas menos respiráveis. “A burca chinesa é muito fria no inverno e parece fogo no verão. Isto faz com que as mulheres suem", conta.