Fernando Guimarães, poeta, ensaísta e tradutor, morreu esta sexta-feira aos 96 anos, confirmou fonte familiar ao JN.
Nasceu no Porto a 3 de fevereiro de 1928 e deixa uma das obras mais sólidas, discretas e intelectualmente exigentes da literatura portuguesa contemporânea. Figura de uma enorme consistência estética, atravessou quase oito décadas de vida literária com a sobriedade de quem sempre escolheu o pensamento e a palavra depurada à fugacidade dos holofotes.
Licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas pela Universidade de Coimbra, exerceu funções de docência no ensino secundário e de investigação no ensino superior. A sua formação filosófica deixou marcas profundas na escrita — tanto na poesia como na crítica. Foi, sobretudo, um pensador da literatura, interessado nos fundamentos da linguagem e nas relações entre o poético, o ontológico e o simbólico.
Estreou-se na poesia com "A face junto ao vento" (1956), obra que começou a desenhar durante a direção da revista Eros (1951–1958), onde colaboraram nomes como Fernando Echevarria, José Bento ou Vítor Matos e Sá. A sua escrita poética, profundamente marcada pela contenção formal e pela reflexão filosófica, abordou temas como o amor, a morte, a linguagem e o tempo. O verso regular, o rigor estilístico e a herança da filosofia heideggeriana e platónica são traços recorrentes na sua obra, reunida mais tarde em títulos como "Casa: o seu desenho", "A analogia das folhas", "O anel débil" ou "Na voz de um nome", este último distinguido com o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores em 2007.
Como ensaísta, Fernando Guimarães foi uma das referências incontornáveis no estudo da poesia portuguesa dos séculos XIX e XX. Dedicou-se ao simbolismo, ao modernismo, ao neorrealismo e às vanguardas, com especial atenção aos cruzamentos entre estética, ideologia e linguagem.
Entre as suas obras teóricas destacam-se "A poesia da presença” e o "Aparecimento do neorrealismo", "Linguagem e ideologia", "Simbolismo, modernismo e vanguardas" e "Os problemas da modernidade". Foi colaborador regular em publicações como Árvore, Bandarra e Estrada Larga, sendo reconhecido como um dos críticos de poesia mais rigorosos e respeitados da sua geração.
Traduziu para português obras de Lord Byron, Dylan Thomas e John Keats, contribuindo também como mediador cultural entre a poesia anglo-saxónica e o público português.
Ao longo da sua carreira, foi distinguido com múltiplos galardões: Prémio D. Dinis (1985), PEN Clube Português (1988), Prémio Luís Miguel Nava (2003), entre outros. No entanto, manteve sempre uma postura de discreta exigência intelectual, alheio ao ruído mediático e fiel a uma ideia de literatura como trabalho interior e partilha rigorosa com o leitor atento.
A sua morte representa o desaparecimento de uma das últimas grandes figuras de uma geração que viu na poesia não apenas um género literário, mas uma forma de conhecimento. Com Fernando Guimarães parte uma voz que soube pensar a linguagem com lucidez, atravessar o tempo com fidelidade estética e deixar um legado de silêncio habitado por pensamento.