Opinião

Incontinência urinária: o problema de saúde que ninguém quer discutir

A incontinência urinária atinge desproporcionalmente mais mulheres que homens. Num estudo recente, conduzido pela Associação Europeia de Urologia, a prevalência da incontinência urinária entre as mulheres excedia 30%. Ao contrário das formas transitórias, isto é, as formas autolimitadas no tempo (como a incontinência urinária associada a infeções da bexiga ou à ingestão de determinados fármacos), que se resolvem com a cura da doença subjacente, a incontinência urinária permanente requer a atenção dos médicos e dos decisores políticos.

A incontinência urinária permanente está associada a problemas psicológicos e físicos variados. O isolamento social, a depressão, a diminuição da produtividade laboral, a diminuição da qualidade de vida, as infeções e as úlceras de pressão na pele, as infeções urinárias e as quedas na tentativa de chegar depressa à casa de banho são problemas frequentemente associados à incontinência urinária, que podem conduzir ou acentuar a deterioração mental e física. Com frequência, as mulheres recorrem aos cuidados de saúde cerca de dois anos após o aparecimento do problema, fruto do embaraço que ainda existe em partilhar este problema com outras pessoas, incluindo os profissionais de saúde, e da convicção entre as mulheres mais idosas de que a perda de urina é uma condição própria do envelhecimento.

Os custos da incontinência urinária são elevadíssimos. Num estudo recente, estima-se que cerca de 60 milhões de ruropeus sofrem de incontinência urinária persistente, gerando atualmente custos para a União Europeia de perto de 70 biliões de euros anuais e que ascenderão aos 90 biliões em 2030 se nada for feito. Estes números representam cerca de 2/3 dos gastos da União Europeia com o tratamento das doenças oncológicas e cerca de metade dos gastos com a diabetes.

No que diz respeito a Portugal, os custos estimam-se atualmente em cerca de um bilião de euros por ano com uma tendência para um rápido crescimento em virtude do envelhecimento acentuado da população portuguesa. Assim, a nível europeu e a nível de cada uma das nações que integram a União Europeia, existe uma necessidade premente para se desenvolverem políticas de saúde desenhadas para a promoção da continência urinária.

Dois grupos de mulheres justificam uma especial atenção.

Em primeiro lugar, as mulheres no pós-parto. As estimativas indicam um risco da incontinência urinária permanente em cerca de 30% das mulheres após o parto vaginal. Fatores que aumentam este risco incluem o número de partos anteriores, a idade da mulher e o peso da criança ao nascer. Apesar de estar bem documentado que os exercícios de reabilitação do pavimento pélvico iniciados antes ou apenas depois do parto previnem e/ou curam a incontinência urinária após o parto, não há medidas de saúde pública que orientem as mulheres grávidas e as puérperas para centros de reabilitação física.

O segundo grupo em risco elevado de desenvolver incontinência urinária são as mulheres pós-menopáusicas, em particular aquelas com idades acima dos 65 anos. Calcula-se que na Europa a prevalência da incontinência urinária neste grupo etário se aproxime dos 50%, isto é, que a incontinência urinária persistente afete metade da população feminina nesta faixa etária. Se analisarmos as mulheres que residem em lares de terceira idade, estes números são ainda mais preocupantes, com cerca de 80% das mulheres a usarem fraldas e outros produtos absorventes.

Calcula-se que os cuidadores dos lares de terceira idade dedicam cerca 2/3 do tempo diário de trabalho a limparem as doentes incontinentes, tratarem de feridas cutâneas e substituírem fraldas ou outros produtos absorventes. O trabalho noturno é particularmente exigente para os cuidadores se os lares tiverem implementado uma correta política de substituição de fraldas durante a noite ou garantirem que as residentes são devidamente acompanhadas ao quarto de banho sempre que necessitam de urinar. Apesar de todos os problemas ligados à incontinência urinária em mulheres idosas, são raras as que são orientadas para programas de reabilitação física ou de controlo da obesidade que poderia melhorar ou curar a incontinência urinária.

Existe assim uma necessidade urgente de definição de uma política de saúde para a continência urinária na Europa Comunitária e implicitamente em Portugal. Esta nova política de continência passa por garantir a todos os cidadãos europeus um acesso completo e idêntico a todas a soluções destinadas a promover a continência urinária; garantir um acesso a instalações sanitárias adequadas em todos os espaços públicos e privados e aumentar o número e a acessibilidade dos doentes a prestadores de saúde na área da continência. Adicionalmente, é necessário apoiar os cuidadores informais; compreender e divulgar a importância da vontinência no contexto de outras doenças; aumentar o financiamento para a investigação destinada à promoção da continência urinária; desenvolver campanhas públicas para divulgação da continência e combater, definitivamente, o estigma causado pela incontinência urinária.

Artigo publicado no âmbito do bicentenário da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto em parceria com o JN

Francisco Cruz