Opinião

Portugal precisa de um novo porto. Não de anúncios reciclados.

O Governo acaba de anunciar o lançamento de 15 novas concessões portuárias até 2035, com 75% do investimento a ser assumido pelos operadores privados. À primeira vista, soa ambicioso. Mas quando se olha com atenção, percebe-se que este anúncio podia ter sido feito há dez anos. A maioria destas intervenções já foi executada, está em execução ou em concurso. Pior: o que é anunciado para Leixões é um retrocesso grave.

Leixões: a machadada final?

Durante anos, a APDL trabalhou, com exigência e visão, para desenvolver um novo terminal de contentores na zona sul do porto de Leixões. O projeto tinha Declaração de Impacte Ambiental (DIA) aprovada. Era a solução com futuro. Hoje, sem aviso, esse plano desaparece. Em seu lugar, anuncia-se um terminal RO-RO - que dificilmente pagará sequer o custo do terrapleno onde será instalado.

Mais grave: tudo isto foi anunciado à revelia das comunidades portuárias, sem articulação com quem opera, investe e gera emprego no porto. Os mesmos operadores que, agora, se vêem confrontados com a fatura de 75% do investimento sem sequer terem sido ouvidos.

O que fizeram os espanhóis no noroeste peninsular

Enquanto Portugal anuncia intenções vagas, os portos da Galiza e Astúrias passaram a última década a executar planos de modernização ambiciosos, que hoje os tornam concorrentes diretos e sérios de Leixões.

- A Coruña, com a construção do porto exterior de Punta Langosteira, investiu mais de mil milhões de euros em infraestruturas preparadas para grandes navios e com capacidade de expansão logística.

- Vigo reforçou os terminais de contentores e RO-RO, modernizou acessos ferroviários e aposta fortemente na intermodalidade e digitalização.

- Gijón (El Musel) expandiu o porto exterior, ganhou novos tráfegos industriais e consolidou o papel logístico na fachada atlântica.

Estes portos investiram com visão estratégica, fundos públicos robustos e articulação intermodal, preparando-se para os próximos 50 anos - enquanto Leixões se arrisca a ser amputado da sua ambição estrutural.

Uma posição geográfica desperdiçada

Portugal tem uma das posições geográficas mais valiosas da Europa: voltado para o Atlântico, porta natural de entrada da Europa, com ligação direta às rotas comerciais transatlânticas, ao continente africano e ao eixo do canal do Panamá. Somos, por natureza, plataforma ideal para importação, transformação e redistribuição de mercadorias, sobretudo da América do Sul, dos EUA e da costa ocidental africana.

As guerras comerciais globais, a pandemia e agora a guerra na Ucrânia tornaram claro o que já se suspeitava: as cadeias logísticas são frágeis, os portos congestionam, os fluxos logísticos deslocam-se para quem oferece mais estabilidade, profundidade e resiliência.

Num contexto em que a Europa procura diversificar cadeias de abastecimento, aumentar capacidade de armazenamento e transformação de produtos e reduzir dependência de zonas geopolíticas instáveis, Portugal devia estar a liderar. Devia ser o berço industrial e logístico da Europa Atlântica. Mas não é isso que se vê.

Reorganizar o sistema portuário nacional: uma urgência

Portugal precisa de uma visão integrada para o seu sistema portuário. Hoje, continuamos presos a uma lógica fragmentada, em que cada porto se gere como um feudo, sem uma política nacional coerente.

É preciso:

- Concentrar a gestão portuária num operador nacional eficiente, com autonomia técnica, foco em resultados e responsabilidade pela execução de uma verdadeira estratégia logística.

- Alinhar os investimentos portuários com o sistema ferroviário e rodoviário nacional, priorizando ligações logísticas com hinterlands produtivos.

- Criar uma entidade reguladora portuária independente, que defina regras claras, estimule concorrência saudável e garanta estabilidade contratual para investidores públicos e privados.

Esta reorganização é essencial para evitar decisões erráticas, paliativas ou politizadas como a que hoje se anuncia para Leixões.

Portugal precisa de um novo porto no mar - com mais de 1.000 milhões de euros de investimento

Não basta remendar. Se queremos continuar no mercado, precisamos de uma nova infraestrutura portuária para os próximos 100 anos. Um porto no mar, com calado profundo, plataformas logísticas ajustadas ao volume de carga real, acessos intermodais eficientes e ligação ferroviária moderna.

Este novo porto e respetiva ferrovia representam um investimento superior a 1.000 milhões de euros, que deve ser liderado pelo Estado e executado com ambição nacional. Só com uma infraestrutura com esta dimensão se justifica exigir aos privados os seus 75% de investimento.

O que conseguimos até hoje em Leixões - graças ao investimento em digitalização, tecnologia e eficiência de processos - já não chega. A era dos portos inteligentes está a ser ultrapassada por uma nova era de portos robustos e resilientes, preparados para navios maiores, fluxos globais e cadeias logísticas cada vez mais exigentes.

Este país continua inclinado a sul

Há uma verdade crua que não pode ser ignorada: este país continua perigosamente inclinado a sul. O Norte - onde se gera riqueza, exportações, indústria e logística - continua a ser sistematicamente prejudicado pelas opções centrais, afastado das grandes decisões e das prioridades nacionais.

Leixões é o maior porto do Norte e o segundo do país. Merecia ser tratado com respeito estratégico, não com improvisos técnicos ou paliativos políticos. A decisão de substituir um novo terminal de contentores por um RO-RO fraco é apenas mais um sintoma de um desequilíbrio territorial profundo que só enfraquece o país como um todo.

Conclusão: sem medo de decidir com coragem

O Governo tem de decidir se quer continuar a fazer política portuária com powerpoints reciclados ou se quer liderar uma transformação real. Esta decisão sobre Leixões não é técnica. É política. E será, acima de tudo, estratégica: define se Portugal quer ser um hub logístico relevante ou apenas mais um ponto no mapa.

O país precisa de ambição. Precisa de decisão. Precisa de investir. E precisa de ouvir quem opera, gera emprego e constrói todos os dias o sucesso dos nossos portos. Leixões não pode ser vítima de soluções provisórias. Precisa de futuro - e esse futuro constrói-se no mar.

Nuno Araújo