Média

BBC sancionada por esconder ligação de narrador de documentário ao Hamas

Cena do documentário "Gaza: How to Survive a Warzone", transmitido pela BBC Two, que acompanha o quotidiano de quatro jovens em plena guerra entre Israel e o Hamas. O programa foi entretanto retirado da plataforma BBC iPlayer DR

Regulador britânico conclui que a BBC violou o código de radiodifusão ao omitir que o narrador de 13 anos de um documentário sobre Gaza era filho de um dirigente do Hamas. A emissora reconheceu o erro e vai ter de emitir um pedido de desculpas em antena.

A Ofcom, reguladora dos média no Reino Unido, sancionou a BBC por considerar que a emissora pública violou o Código de Radiodifusão ao omitir informação essencial num documentário sobre a guerra em Gaza. A investigação concluiu que "Gaza: How to Survive a Warzone" foi materialmente enganador por não revelar que o narrador de 13 anos era filho de um alto responsável do Hamas.

O programa, produzido pela empresa independente Hoyo Films, foi transmitido no final de 2023 e acompanhava a vida de Abdullah Alyazouri, um adolescente de Gaza. Só mais tarde se soube que o pai do jovem, Ayman Alyazouri, exercia funções como vice-ministro da Agricultura no governo controlado pelo Hamas, informação que nunca foi comunicada ao público.

"A omissão teve o potencial de minar a elevada confiança que o público deposita na BBC, especialmente num documentário factual sobre o conflito Israel-Gaza", sublinha a Ofcom.

Pedido de desculpas em antena

Após 20 queixas formais, a Ofcom classificou o caso como uma violação grave e ordenou que a BBC transmita uma declaração pública sobre as conclusões do regulador. A leitura será feita na BBC2, às 21 horas, em data ainda por confirmar. É a primeira vez desde 2009 que a estação é obrigada a fazê-lo.

A BBC retirou o documentário da sua plataforma iPlayer em fevereiro, depois de a ligação familiar ter sido revelada. Em julho, uma investigação interna conduzida por Peter Johnston, diretor de queixas editoriais da BBC, confirmou que a emissora falhou nas suas próprias normas de rigor e transparência.

O relatório revelou que três membros da produtora sabiam da posição do pai do narrador, mas ninguém dentro da BBC tinha conhecimento. Embora não haja provas de influência direta sobre o conteúdo, a emissora admitiu falhas significativas na verificação da informação e no controlo editorial.

"Aceitamos integralmente a decisão da Ofcom. Houve uma falha séria nas nossas normas de precisão", reconheceu um porta-voz da BBC.

A Hoyo Films também pediu desculpa e disse estar a trabalhar com a BBC para avaliar se partes do documentário poderão regressar ao ar. A produtora destacou ainda que a equipa em Gaza "arriscou a vida para documentar o impacto da guerra nas crianças".

A Ofcom considerou que enganar o público é uma das violações mais sérias que um canal pode cometer e apelou à transparência total em reportagens sobre conflitos sensíveis.

O caso reacende o debate sobre a responsabilidade editorial das televisões públicas e a confiança do público em tempos de desinformação, numa altura em que o acesso independente de jornalistas à Faixa de Gaza continua fortemente limitado.

Sara Oliveira