Opinião

Referenciação? Precisa. Mas atendem? Não

Nos últimos dias, vi-me obrigada a contactar a Linha SNS24 em duas ocasiões. Na primeira, seriam umas quatro da manhã, introduzi o número de utente como solicitado e ali fiquei, a ouvir música eternamente. Na segunda, eram três da tarde. Depois de minutos de música, ainda cheguei a ser atendida, mas a minha interlocutora perguntou-me o que se passava, disse que ia passar a um colega e depois... nada. Só este ano, mais de um milhão e meio de chamadas feitas para esta linha ficaram por atender. E o tempo médio de espera continua a aumentar. Se acrescentarmos que isto acontece no mesmo país em que tanto se tem insistido (e bem) que as idas às urgências devem depender de uma referenciação prévia, parece um sketch humorístico. Referenciação? Precisa. Mas atendem? Não. Voltando às minhas urgências, não vi alternativa a desistir do telefone e a dirigir-me diretamente ao hospital. Felizmente, não me levantaram problemas. Quanto ao atendimento, só elogios. O profissionalismo, o cuidado de ir ao detalhe, a paciência de tirar dúvidas e ainda dar uma palavra de conforto. Não será sempre assim, mas, pela minha experiência, é maioritariamente assim. A quem me tenta convencer do contrário, conto a história da A. Jovem, saudável, uma gravidez planeada, uma pré-eclâmpsia súbita, uma rutura do fígado que deu lugar a uma hemorragia incontrolável, a vida por um fio. No aperto, em plena madrugada, o chefe de serviço, que estava em casa, foi chamado de urgência. Ele lá foi, indiferente à hora e ao sono, a correr para a salvar. E salvou. A A. está hoje recuperada e feliz, com um bebé lindo e saudável nos braços. Há lá coisa mais bonita? A abnegação dos profissionais do nosso SNS devia ser Património Imaterial da Humanidade. E, no entanto, ele definha, sem medidas que verdadeiramente impeçam a decadência. Felizmente, temos governos que se dedicam às causas realmente importantes. A proibição da burca em espaços públicos, por exemplo. Esse flagelo sem-igual, desde logo pelo imenso número de mulheres de burca que vemos a circular nas ruas. Já para não falar na gritante carga islamofóbica da medida apresentada pelo Chega e abençoada por PSD, IL e CDS. Revelador. Rosário Palma Ramalho, ministra do Trabalho, alertou recentemente para outro problema fulcral: as malvadas das mães que abusam do horário da amamentação. Já as duas mil mulheres grávidas que foram para o desemprego no ano passado não parecem inspirar tanta preocupação. E o que dizer de Hugo Soares, líder parlamentar do PSD e braço-direito de Luís Montenegro, que veio sugerir "aumentar o escrutínio sobre as notícias" (seja lá o que isso for)? Prioridades. Certo é que, a avaliar pelos resultados eleitorais que os sociais-democratas têm obtido, a estratégia parece ir resultando. O que isso diz, sobre o que nos move e sobre o tempo em que vivemos, é matéria para um outro texto. Oremos. Sem burca, claro.

Ana Tulha