As notícias dão conta de que começaram demolições na Casa Branca, para a construção de um grande salão de baile, capaz de acolher festas com 999 pessoas e um custo estimado de 200 milhões de dólares, suportado por "gente rica generosa". Este fascínio pelo grande - o que é grande é bom e para ser ou parecer bom tem de ser grande - invade hoje várias esferas das nossas vidas de forma inquietante. Mas não é sobre isso que quero agora escrever.
A decisão de construção do salão de baile anunciada por Trump como um grande feito e a realização do sonho de vários presidentes, mesmo aqueles que ainda não nasceram, poderia ser classificada como mero delírio tresloucado. Mas, infelizmente, é muito pior do que isso.
É, desde logo, a exibição de um poder despótico e o esbanjamento de riqueza num projeto socialmente supérfluo. No contexto da sociedade norte-americana, marcada por grandes desigualdades, crescimento da pobreza e dificuldades de acesso à saúde, revela total insensibilidade social. Esta é substituída pela afirmação do carácter majestático do exercício do poder. Muito circo e pouco pão.
Em segundo lugar, é uma despudorada promiscuidade entre interesse público e interesses privados. Doações de empresários classificados como "ricos e generosos" substituem o dinheiro dos contribuintes. Sabemos que, nos EUA, há uma cultura e práticas enraizadas de mecenato, de investimento em bens públicos por fundações, empresas e organizações da sociedade civil. Mas as doações para o salão de baile não são da mesma natureza. Representam, sim, um investimento na relação com o presidente Trump por quem, certamente, espera qualquer retorno.
Finalmente, o mau gosto, consequência menor, mas ainda assim relevante, porque é o resultado da imposição pública de uma preferência pessoal. O dourado sem critério já tinha invadido a Casa Branca. Uma arquitetura de regime foi definida para os edifícios públicos. Chegou o tempo da reconstrução dos espaços do poder como palcos de um espetáculo de gala de outros tempos.
Quando o espaço público é moldado por interesses privados, e quando o luxo se torna linguagem política, é a democracia que perde. O que deveria ser lugar de representação dos cidadãos transforma-se em monumento à exclusão e ao privilégio. A ética da responsabilidade republicana, a valorização do serviço público são substituídas pela ostentação, a indiferença e a vaidade.
As obras só estarão concluídas perto do final do mandato de Trump. O presidente dos EUA não gozará o seu projeto. Mas o monarca Trump poderá fazê-lo.