Os destinos turísticos mais populares da Europa estão a sentir o peso do seu próprio sucesso. De Paris a Dubrovnik, o turismo de massa traz superlotação e poluição. No entanto, mesmo ao lado desses pontos turísticos, existem regiões ansiosas por receber visitantes. Investigadores financiados pela UE acreditam ter encontrado uma forma de canalizar o turismo de forma mais sustentável.
Um desses locais é Trebinje, no sul da Bósnia-Herzegovina. Com a sua rica história, clima mediterrânico e produtos saborosos, desde vinhos robustos a mel dourado, a cidade tem muito para oferecer. O seu tecido urbano reflete séculos de diferentes influências culturais, incluindo otomana, veneziana e austro-húngara. No entanto, apesar de se situar a apenas 30 quilómetros de Dubrovnik, Trebinje continua ausente da maioria dos guias turísticos.
Do outro lado da fronteira, Dubrovnik é um exemplo marcante de excesso de turismo. Com cerca de 41 mil residentes, a cidade recebeu 1,4 milhões de turistas em 2024, de acordo com o Ministério do Turismo da Croácia. A lição para Trebinje é clara. Para desenvolver o turismo sem repetir os erros dos seus vizinhos, é necessário seguir outro caminho.
As comunidades em primeiro lugar
Trebinje foi um dos oito locais-piloto de uma iniciativa de quatro anos financiada pela UE chamada TExTOUR, que terminou em setembro de 2024. Os parceiros do projeto testaram abordagens inovadoras para incentivar o turismo sustentável em regiões menos conhecidas.
Para Isidora Karan, arquiteta bósnia, investigadora de espaço urbano e líder local do TExTOUR, a proximidade de Trebinje a atrações turísticas como Dubrovnik, a Baía de Kotor em Montenegro e Mostar na Bósnia é uma vantagem, mas também um desafio.
"No verão, muitos dos nossos jovens partem para trabalhar lá, e existe o receio de que a cidade fique vazia, a menos que encontremos formas inclusivas e inovadoras de envolver os jovens no turismo cultural", afirmou.
Em vez de implementar soluções prontas, os investigadores trabalharam com as comunidades para identificar os pontos fortes locais e conceber projetos turísticos adequados a eles. A tecnologia, como sensores e códigos QR, fez parte da história, mas o cerne da questão foi o envolvimento com os residentes.
"Desenvolver o turismo cultural de uma região é um processo no qual toda a comunidade deve participar ativamente para que as soluções correspondam aos interesses e necessidades reais dessa comunidade", disse Daniel Basulto, especialista em conservação que coordenou o trabalho dos investigadores. Esta abordagem que coloca a comunidade em primeiro lugar encaixa-se perfeitamente na próxima estratégia de turismo da Comissão Europeia, que dá prioridade à sustentabilidade e à inovação.
Testando novos modelos: de Trebinje a Portugal
Basulto trabalha na Fundación Santa María la Real, uma organização sem fins lucrativos em Aguilar de Campoo, no norte de Espanha, que promove o turismo sustentável através do património cultural. Para testar a sua abordagem, Basulto e a sua equipa selecionaram locais em oito Estados-Membros da UE e três países não pertencentes à UE: Bósnia-Herzegovina, Líbano e Ucrânia.
O objetivo não era atrair grandes multidões, mas sim construir resiliência. "Não pretendíamos inundar estas áreas com turistas. O nosso objetivo era torná-las sustentáveis para que a população local pudesse permanecer, em vez de partir para procurar trabalho noutro lugar."
Daniel Basulto conhece bem a vida rural, tendo optado por viver em Aguilar de Campoo, um município rural de seis mil habitantes. "Vim para cá porque queria criar uma família num ambiente rural e ter contacto direto com o património e a paisagem", afirmou.
Cultura viva
A equipa TExTOUR em Trebinje começou por ouvir. Os encontros reuniram os residentes para moldar ideias para o futuro do turismo da cidade.
Karan salientou que os participantes destes encontros não queriam que o turismo de massa tornasse a sua cidade inviável, observando que o turismo já estava a fazer subir os preços das habitações e a provocar uma construção descontrolada. "Está a mudar a imagem da cidade e a pôr em risco aquilo que consideramos único", afirmou.
Um dos objetivos era chamar a atenção para os locais históricos subutilizados e envolvê-los na vida urbana. Krš é um dos mais antigos assentamentos urbanos na área de Trebinje, e enfrentou décadas de decadência, apesar da sua importância histórica.
Em 2023, a equipa lançou um festival de artes em Krš, devolvendo a vida àquele local. Antes do evento, os membros do projeto reuniram com residentes locais, artistas e artesãos. "As pessoas que vivem em Krš adoraram e ajudaram-nos a instalar uma pérgula temporária", disse Karan. A pérgula construída para o festival tornou-se um elemento permanente a atração do bairro, usada para celebrações anuais nos dois anos seguintes.
Outra estratégia foi chamar a atenção para áreas fora do centro histórico da cidade e evitar a superlotação, por isso foram criadas rotas temáticas para locais de interesse nas áreas próximas e rurais.
Ao longo das rotas, códigos QR forneciam informações e histórias relacionadas a diferentes locais, incluindo detalhes sobre trilhas para caminhadas, ciclovias, caiaque e opções de transporte.
Os investigadores também estabeleceram uma parceria com a Slow Food Trebinje, uma filial local do movimento internacional Slow Food, para criar uma pequena escola de gastronomia. Os estudantes de hotelaria aprenderam a reinterpretar pratos tradicionais, com o objetivo de manter as suas competências, e empregos, na cidade.
Guardiões do Paleolítico
A mais de 3000 quilómetros de distância, no nordeste de Portugal, o Vale do Côa alberga uma das maiores coleções de arte rupestre paleolítica da Europa. Milhares de gravuras representando cavalos, auroques e cabras estendem-se ao longo do rio Côa, o que valeu ao vale o estatuto de Património Mundial da UNESCO em 1996.
Para proteger estas frágeis obras de arte, as visitas são limitadas a visitas guiadas noturnas. Os encontros organizados pela equipa TExTOUR inspiraram os residentes locais a envolverem-se mais quando tiveram a ideia de formar jovens e membros mais velhos da comunidade para atuarem como guardiões culturais.
Os residentes com idades entre os 12 e os 25 anos e com mais de 60 anos tiveram a oportunidade de aprender sobre a conservação do património e a história local. O objetivo era ajudar a proteger o local e também partilhar este conhecimento com turistas, escolas e universidades.
"O nosso objetivo era promover o local, preservando o seu caráter único", afirmou Daniel Basulto.
Turismo impulsionado pela comunidade
Para Basulto, a principal lição do TExTOUR é clara: a comunidade é a força motriz. O turismo sustentável deve ser construído com a população local.
Atualmente, Daniel Basulto está envolvido numa nova iniciativa financiada pela UE, a ULTREIA Sudoe, que promove alimentos tradicionais e produtos artesanais ao longo das rotas de peregrinação do mundialmente famoso Caminho de Santiago. Também planeia utilizar sensores para monitorizar o número de visitantes e gerir melhor os fluxos.
"Não se trata de aumentar a capacidade hoteleira, mas sim de organizar atividades que atraiam visitantes e lhes permitam descobrir o nosso património, preservando simultaneamente a nossa cultura", afirmou.
O turismo continuará a ser fundamental para a economia europeia. Mas as experiências de Trebinje, Vale do Côa e outros locais de teste mostram que existe uma alternativa viável. Uma alternativa em que são as próprias comunidades que ditam o ritmo.
Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.