Praça da Liberdade

Esquerda: aritmética ou causas?

Na história da nossa democracia, o PCP disse sempre presente quando foi necessário unir votos à Esquerda para interromper processos de radicalização à Direita. Salvaguardando, desse modo, as caraterísticas do nosso regime democrático e os direitos dos cidadãos. Por isso, o candidato do PCP desistiu a favor de Eanes para impedir que a Direita dominasse todos os órgãos de soberania (1980); apelou e votou, na 2.ª volta, em Soares para impedir o revanchismo associado à candidatura de Freitas do Amaral (1986); fez uma coligação em Lisboa para pôr fim à governação de Krus Abecassis (numa altura, 1989, em que a CDU era a força de Esquerda maioritária em Lisboa e o secretário-geral do PS, Jorge Sampaio, se disponibilizou para ir à luta); viabilizou um Governo do PS para pôr fim às políticas das troikas (2015). E, em mais recentes presidenciais, em que foram eleitos, para o seu primeiro mandato, presidentes de Direita (Cavaco e Marcelo) não se sabe o que faria o PCP se o PS não tivesse dado autênticos tiros nos pés que representaram, objetivamente, um tapete vermelho para aqueles que as venceram: em 2006, surgiram Manuel Alegre e Mário Soares da área do PS, e, em 2016, o PS apresentou Maria de Belém Roseira para enfraquecer o candidato Sampaio da Nóvoa, suscetível de conseguir unir a Esquerda.

Nas recentes autárquicas, em Lisboa, o PS uniu-se ao BE e ao PAN (o Livre já tinha apoiado Fernando Medina) para "derrotar Moedas", tendo procurado fazer crer que não atingiu esse objetivo porque o PCP (que aumentou mil e duzentos votos) se manteve à margem. Não menosprezando o facto de Alexandra Leitão ter perdido 14 mil votos face à soma dos partidos que a apoiavam em 2021, a questão era a de saber se o projeto que corporizava representava uma verdadeira mudança de políticas locais. E isso, face às posições de apoio "exigente" que o PS teve relativamente a Moedas em questões essenciais, custa a engolir. A Esquerda não pode iludir-se com aritméticas e esquecer as causas. E os partidos à esquerda do PS não podem cair na esparrela do "voto útil" neste partido para derrotar a Direita, porque, em última análise, isso conduz a que considerem que não vale a pena existirem porque há sempre outros mais bem posicionados, independentemente das políticas e das práticas.

Foi a explorar esta armadilha que Eurico Brilhante Dias teve a luminosa inspiração de apelar à desistência de António Filipe em favor de António José Seguro. Ou seja, o PS que, mais uma vez, não tratou destas eleições com vontade de eleger um presidente digno (o avanço de Seguro deve-se ao adormecimento do PS), vem agora dizer que os eleitores de Esquerda devem apoiar um candidato que se distinguiu, perante os governos de Passos Coelho, por ter abstenções "violentas" nos orçamentos que infernizaram a vida dos portugueses. Mais brilharia Eurico se tentasse convencer a votar os seus camaradas (e são muitos!) que não se reveem em Seguro e que dele dizem o que Maomé não disse sobre o toucinho...

Rui Sá