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Daniel Avery é tóxico em "Tremor", e isso é bom

Crítica de música

O músico, produtor e DJ britânico Daniel Avery é transparente em relação às sintonias captadas nas suas composições - ia chamar-lhes eletrónicas, mas o adjetivo é curto. A transparência é uma virtude amiúde associada à condição de fã - em vez de disfarçar a fonte dos afetos em jargão académico-narcótico, mais vale celebrá-la.

Além de fã transparente, Avery tem ambição. Tudo junto, o resultado é "Tremor" (edição Domino/ Popstock), uma daquelas obras que parece a súmula de um percurso, um mar deslumbrante onde desaguam várias afinidades estéticas que vem desenvolvendo desde o final dos anos 2000, ora indie, ora tecno, ora ambient, ora...

"Tremor" desenrola-se cinemático, com sonoridade e arranjos e detalhes densos até à intoxicação. O ritmo, essencial na arquitetura dos temas, é esculpido com a alta definição do rock industrial, todavia sem acelerações. A densidade instrumental, áspera e gótica, é por sua vez colocada em contacto com vocalizações de abundantes convidados, amigas da melodia que fornecem o essencial contraditório melódico, extenuado, ponderado. O segredo do brilho e impacto emocional de "Tremor" reside nesta fusão clássica de aparentes opostos. Umas vezes inclina-se para a pop cruzada com trip-hop, caso de "Rapture in blue". Outras, como "Haze" ou "A silent shadow", desenvolvem aquele quente-e-frio, abrasivo e sensual, onde o shoegaze apanha com as limalhas do heavy metal - os Curve vêm à memória ainda antes de se saber que Alan Moulder, engenheiro de som daquela banda londrina, mistura este álbum de Avery. Outras ainda, caso de "New life", introduzem neste preparado as batidas do jungle. Sem esquecer os tsunamis de guitarras e digitália, marca registada My Bloody Valentine, que assolam vários temas, de "The ghost of her smile" a "In keeping (soon we"ll be dust)". Ou o punhado de filmes suspensos no ar, sem canto nem pulso, de que o exemplo mais dramático é "A memory wrapped in paper and smoke". Na capa de "Tremor" vê-se Pyongyang, capital da Coreia do Norte, pela janela de um quarto de hotel.

Jorge Manuel Lopes