Filio-me no grupo dos que acreditam que os atos políticos devem ser explicados. Estará, porém, tão certo quem reconhecer aqui uma justificação pública como quem considerar achar uma reflexão sobre o papel de uma cidadania independente, por um Porto de Cultura.
Depois da campanha eleitoral em que fui candidato independente, nas listas do PS, ao lado de Manuel Pizarro, a vereador da Cultura do Porto, fui eleito a 12 de outubro passado, num resultado que conduziu Pedro Duarte a presidente da Câmara Municipal. Nesse contexto, recebi do presidente o convite para assumir o pelouro a que me havia proposto, com a visão e ideias que defendi.
Nessa reflexão, formulei três perguntas:
1. Que interesse deve prevalecer no pós-eleições: o da cidade ou o de uma candidatura?
2. Tem um candidato independente um espaço de liberdade próprio no exercício do seu mandato? Como interpretar essa liberdade no difícil modelo de governação municipal, segundo o qual um executivo é constituído por eleitos de diferentes forças?
3. De que modo me vejo a servir melhor o Porto?
Partilho as conclusões a que cheguei e que sustentam a minha decisão.
1. É um lugar-comum dizer que os interesses da cidade devem prevalecer sobre interesses particulares ou partidários, mas ainda mais quando em jogo estão questões que reputamos de essenciais. Ora, as políticas de Cultura e Património são vitais para o Porto. Continuo convicto (como em campanha defendi) que a alma de muralha ficará, por diferentes ordens de razão, mais bem defendida com um vereador da Cultura, sem prejuízo do insubstituível papel do presidente da Câmara. A natureza do setor artístico e a dimensão das instituições culturais, a sua distribuição reticulada, os seus problemas e necessidades críticas de apoio; a exigência de desenvolvimento, reforma ou gestão das muitas "casas" e projetos municipais (do Matadouro ao Museu do Porto, dos teatros à Galeria, do antigo CACE às bibliotecas...); as assimetrias locais de criação e programação; ou a prioridade de novas apostas na salvaguarda dos patrimónios do Porto justificam uma personificação, interlocução e dedicação políticas "à medida" no município. Esse interesse deve prevalecer numa hierarquia de valores. A Cultura é causa, antes de ser consequência.
2. Há um preço político a pagar pelos candidatos quando integram uma lista partidária e há um outro a suportar pelos partidos quando convidam independentes. O primeiro chama-se solidariedade; o segundo, liberdade (esse segundo nome do Porto). Entendo que a liberdade de um candidato independente é um valor sempre superior, nomeadamente quando coincide com um princípio de responsabilidade, ou seja, a defesa de um benefício maior para a cidade.
Ao permitir atribuir mandatos a "vencidos" no órgão executivo, o modelo municipal parece dizer aos "vencedores" que trabalhem com aqueles, e vice-versa. Haverá diferentes modos de fazer esse trabalho, mas um deles será sempre o da assunção de responsabilidades executivas. Há quem queira "combater de fora" por uma ideia e há quem, com igual legitimidade, entenda "construí-la por dentro".
3. De que modo me vejo a servir melhor o Porto? Como vereador com o pelouro da Cultura ou como vereador da Oposição? Em dedicação plena ou em exercício de escrutínio e contraditório? Sendo ambos vitais, enunciei o compromisso e finalidade da minha participação independente, desde a primeira hora, com uma clareza irrepreensível. O meu perfil e experiência, técnica e política, são também conhecidos. Beneficio, finalmente, de uma confiança do presidente eleito para implementar o que antes defendi, em diálogo aberto com o programa vencedor e outras propostas.
O Porto não é pensável como cidade sem Cultura - livre e forte, assente no valor da palavra, consciente das suas raízes, miscigenada, criadora e independente. É esta ideia que me esforçarei por continuarmos a construir.