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Procurador-geral de Espanha diz ser inocente de caso de emails com informações em segredo de justiça

Álvaro García Ortiz, procurador-geral de Espanha Foto: Javier Lizon/EPA

O procurador-geral de Espanha reiterou, esta quarta-feira, a sua inocência no final do julgamento em que é acusado de ter reenviado um email a jornalistas com informações em segredo de justiça, num caso inédito na democracia espanhola.

"Não filtrei o correio [eletrónico]", disse Álvaro García Ortiz ao júri do Tribunal Supremo de Espanha que o está a julgar.

O julgamento arrancou no dia 3 de novembro e hoje foi a última sessão de audições, estando agendada para quinta-feira as últimas alegações das partes.

Em alegações iniciais, as acusações pediram entre quatro e seis anos de prisão para o procurador, assim como proibição de exercer o cargo. Já o Ministério Público e a Advocacia do Estado pediram a absolvição.

O procurador-geral foi ouvido pelos juízes após a declaração de todas as testemunhas, entre elas, jornalistas de diversos meios de comunicação social que negaram todos que a fonte das notícias em causa tenha sido Álvaro Garcia Ortiz e, em alguns casos, provaram ou garantiram mesmo tido acesso ao email no centro do processo e ao seu conteúdo antes do próprio magistrado.

O caso, além de ter levado à situação inédita de colocar o procurador-geral do Estado no banco dos réus, tem uma dimensão política, por envolver o companheiro sentimental da presidente do governo regional de Madrid, Isabel Díaz Ayuso (partido Popular, PP, direita) e ter atingido o Governo nacional, do socialista Pedro Sánchez.

Em causa está a divulgação de emails relacionados com uma investigação por fraude fiscal que tem como alvo Alberto González Amador, o companheiro de Isabel Díaz Ayuso.

Os emails foram publicados em meios de comunicação social e o Tribunal Supremo considerou, no despacho em que decidiu que haveria julgamento, que há indícios de ter sido o procurador-geral a divulgar "segredos de que podia ter tido conhecimento" por causa do cargo que ocupa.

O procurador-geral explicou hoje que pediu os emails aos procuradores que tinham o caso em mãos na sequência de notícias erradas que estavam a ser publicadas na imprensa que colocavam em causa a atuação do Ministério Público e para as quais lhe estavam a chamar a atenção.

Álvaro García Ortiz afirmou que o alertaram ainda que o chefe de gabinete de Isabel Díaz Ayuso, Miguel Ángel Rodríguez, estava por trás da difusão de conteúdos parciais dos emails e de "falsa informação" sobre o caso, que estava a colocar em grupos de WhatsApp com dezenas de jornalistas, algo que o visado confirmou num testemunho durante o julgamento.

Foi neste contexto que o procurador-geral pediu a troca de emails com a defesa de Gonzalo Amador e que a Procuradoria-geral do Estado decidiu fazer um comunicado para desmentir as notícias, disse hoje Álvaro Garcia Ortiz, realçando que os conteúdos dos correios eletrónicos que saíram nessa nota já tinham sido divulgados por jornais, televisões e rádios.

Foi "uma resposta institucional da Procuradoria espanhola a uma notícia" que colocava "em causa o trabalho dos procuradores da secção de delitos económicos", afirmou sobre o comunicado, que esclarecia que o companheiro da presidente da região de Madrid tinha proposto um acordo ao Ministério Público e reconhecido que cometera delitos de fraude fiscal.

As notícias em causa diziam que o Ministério Público é que tinha proposto um acordo em troca do reconhecimento de crimes.

"A verdade não se filtra, a verdade defende-se", disse Álvaro García Ortiz, na declaração final de hoje perante o tribunal.

Durante a investigação judicial, o gabinete do procurador-geral foi alvo de buscas e o telemóvel do magistrado foi apreendido, com os investigadores a realçarem que o conteúdo do aparelho tinha sido apagado recentemente.

O procurador-geral afirmou hoje que apaga as mensagens com frequência, dada a informação relevante e sensível que recebe e envia, e reiterou que cumpre um protocolo de proteção de dados a que está obrigado pelo cargo que ocupa.

Ao longo dos oito meses da investigação, Álvaro García Ortiz rejeitou sempre demitir-se, como lhe pediram duas das três associações de procuradores, que consideraram que era "a única forma de evitar um dano reputacional" à carreira e à instituição.

García Ortiz disse que ia continuar no cargo por estar convencido de que era "o menos gravoso e o mais prudente" para o Ministério Público "a médio e longo prazo" e "com pleno respeito pela lei e pelo Estado de Direito".

Realçando ser inédita a abertura de uma investigação ao procurador-geral, defendeu "uma profunda reflexão" sobre aquilo que a motivou e "as circunstâncias que a rodeiam".

O caso tem motivado troca de acusações entre o Governo espanhol, liderado pelos socialistas, e a oposição, com o PP a pedir reiteradamente a demissão do procurador, que é nomeado por escolha do executivo.

Num despacho da investigação, o juiz de instrução do caso chegou a afirmar que García Ortiz agiu em coordenação com a Presidência do Governo de Espanha neste caso.

Já o procurador, na sua defesa escrita incorporada ao processo, disse-se vítima de uma campanha orquestrada pelo governo regional de Madrid com o objetivo de desviar a atenção da alegada fraude fiscal de González Amador e proteger a imagem de Díaz Ayuso.

JN/Agências