Há uma dimensão na catástrofe que o ser humano esquece, muito por considerar que a dimensão do horror é irrepetível ou que nada se reitera ao ponto de merecer ser lembrado até ao juízo final da precaução. Como na crítica às aulas de cidadania, há quem prefira que o Estado seja um ser inerte, apenas servil para amparar as ambiguidades dos poderosos e deixar em lume brando quem deve, teme e não tem. As alterações climáticas, os terramotos e apagões acontecem, culpa-se o ozono, o subsolo ou o vizinho espanhol, e tudo segue adiante até à contabilização dos danos. Aí, fazem-se as contas, agitam-se os avisos sobre uma realidade por todos mais do que conhecida e antecipável. E encolhem-se os ombros.
As Nações Unidas reduzem em 25% as suas forças de manutenção de paz por cortes no financiamento dos EUA, que se retiram dos Acordos de Paris enquanto fecham fronteiras e avançam o seu exército para tomar cidades, ao mesmo tempo que consideram um "fardo público a evitar" quem queira entrar no país com doenças crónicas como a diabetes. É uma espécie de "Make America Thin Again" só que com hambúrgueres exclusivos para nativos. Os "Epstein files" são meninos ao lado de tantos tratados públicos de vergonha. A Europa rende-se.
Mas há também uns irredutíveis neerlandeses que resistem, como se fizessem do "campingaz" um modo de vida e do aforro caseiro uma virtude. Com a crescente tensão geopolítica, a resistência civil tem sido defendida pelo Governo dos Países Baixos e do organismo responsável pelo contraterrorismo e segurança, através de uma campanha televisiva, na rádio e no digital, que alerta a população para a necessidade de sobreviver durante três dias sem acesso a electricidade, internet ou água potável. Em Portugal, uma campanha deste tipo geraria alarme e seria, ela mesmo, um instrumento dos populistas para a negação da verdade e da necessidade de prevenção do que há-de vir. Dir-se-ia que estávamos a gastar dinheiro precioso do erário público com adivinhações de Nostradamus, assegurando que a luta pela segurança se faz contra quem vem de fora para nos repovoar demograficamente.
Sempre a negação. A greve geral que une UGT e CGTP, a primeira paralisação a juntar as duas centrais sindicais desde 2013 (durante a intervenção da troika), é uma natural reacção à nada subtil alteração da lei laboral, mas parece estar a ser encarada como uma versão de luta faz-de-conta, demonstração de poder estéril por parte dos sindicatos que nada representam. Portugal parece apostado em tentar sobreviver sem trabalhadores.