Opinião

Más heranças da pandemia

"Deixar a base de chuveiro na sua casa? Impossível. Deixamos na porta do prédio, do lado de fora. Só temos um funcionário, que é o motorista". A explicação foi-me dada ao telefone pela funcionária de uma loja de artigos sanitários e de nada adiantaram os meus argumentos fundados no bom senso. "Minha senhora, a pandemia já acabou, eu sozinho não dou conta do recado e, imagine, que a entrega era na casa de uma senhora idosa. Ia-lhe pedir para pegar num mastodonte desses ou exigir que os funcionários da obra em causa estivessem a postos no exato momento da entrega? Quer que eu pague o serviço, é esse o problema?", afirmei, na esperança, ingénua, de ter feito xeque-mate. "Caro senhor, não fazemos isso. Ter outra pessoa com o motorista sai caro".

Não passou muito tempo até que comprasse um moderno aspirador, uma vez que o antigo já estava a pedir a reforma, após mais de 20 anos de árduo trabalho. Em duas décadas, a evolução dos eletrodomésticos foi significativa e quase que é preciso tirar um curso para lidar com estas maravilhas da tecnologia. Perguntei a uma funcionária da loja se a marca em causa fazia demonstrações em casa. A resposta não me devia ter surpreendido. "Caro senhor, desde a pandemia que a maior parte das empresas acabou com essas visitas ao domicílio, para evitar contactos, está a perceber...". A conclusão é óbvia: muitos empreendedores com alma de merceeiro aperceberam-se, durante a covid-19, que, apesar de terem perdido no volume de vendas (o setor alimentar foi exceção), pouparam em custos fixos, sobretudo ao nível dos recursos humanos. A qualidade do serviço ao cliente decaiu e perderam-se empregos.

Pedro Araújo