Opinião

Retornados

Passaram 50 anos, mas as famílias não esquecem. Quase um milhão de portugueses tornou à metrópole, a maioria com uma muda de roupa e dois ou três sacos de plástico com fotografias. Centenas de voos, gente a correr desenfreada de pavor, crianças de colo, mulheres, velhos e os mais ativos a atrasarem o passo para tentar resgatar o maior número de migalhas. Regressaram a Portugal vindos das colónias, alguns que só conheciam o cheiro de África, muitos e muitos sem qualquer ligação com uma terra que lhes parecia demasiado distante. Chamaram-lhes retornados. Ficaram a comer o pão amassado pelo Diabo em filas de espera, sem dinheiro no bolso, sem poderem tomar banho, a serem olhados de lado por muitos dos que festejavam o 25 de Abril - viram-se sem nada e acusados de ser fascistas ou assassinos ou racistas. Sou de Esquerda sem dúvidas metódicas, mas também sem palas nos olhos. Não posso exigir aos outros o que não exijo a mim próprio. Faz 50 anos que milhares e milhares de portugueses perderam o que tinham, mas permitiram que o país crescesse com a sua ousadia e capacidade de pensar para lá do fio de horizonte. Devemos muito aos retornados e essa é uma justiça que temos de lhes fazer. Talvez seja tempo de compreendermos que a vida não é linear, não é assim tão difícil entender que é fácil falar quando nada se perdeu. A Direita tem de se apaziguar com o 25 de Abril, mas a Esquerda precisa também de reconhecer a enorme coragem dos que tiveram de recomeçar.

Luís Osório