Praça da Liberdade

Cada vez mais sós

É uma revolução silenciosa e profunda. Sem protestos e sem manifestações. Apenas números. Como relatava há dias a revista "The Economist", o mundo rico está a caminhar a passos largos para a era dos solteiros. A mudança não é apenas demográfica. É cultural e económica. Em cada cidade, muitas pessoas vivem sozinhas, redesenhando hábitos e modos de nos relacionarmos uns com os outros.

Os números atestam inequivocamente mudanças estruturais. Por exemplo, nos Estados Unidos, entre os 25 e os 34 anos, 50% dos homens e 41% das mulheres vivem sem parceiro. É o dobro do registado há meio século. Globalmente, estima-se que existam mais cem milhões de solteiros do que existiriam se as taxas de união de 2017 se tivessem mantido. Nos países desenvolvidos, viver sozinho deixou de ser exceção. Tornou-se uma tendência muito visível.

Ao dedicar a capa a este tema, a revista "The Economist" explicava que grande parte desta mudança se deve à emancipação feminina. Com uma escolaridade mais avançada, as mulheres têm mais exigências e menos medo do estigma de permanecerem sozinhas. Hoje já não aceitam, em nome da estabilidade, um tipo de relacionamento que durante anos toleravam em segredo. Essa libertação de amarras de outrora proporciona mais independência, mas também mais solidão.

Nos países considerados ricos, a maioria dos solteiros preferiria estar numa relação. Mas, segundo relata "The Economist", muitos desistem de procurar. As redes sociais também têm grandes responsabilidades nesta crescente desilusão que sentimos uns em relação aos outros. Exibindo montras de vidas perfeitas, as plataformas digitais vão reduzindo os "amigos" a uma grelha de filtros por onde jorram qualidades difíceis de reunir. E enquanto os algoritmos nos lançam em vertiginosos (des)encontros, o mundo real parece um lugar de convivência impossível. Acostumados a "conviver" através de ecrãs, as pessoas sentem cada vez mais dificuldades em se relacionarem em modo presencial. Há uma percentagem de cidadãos que não exclui um relacionamento com a inteligência artificial...

Ora, este crescimento dos solteiros não se circunscreve à esfera íntima. Também se repercute no espaço público. Menos casais implica menos filhos, mais casas para uma só pessoa, mais despesas individuais. Tudo isto reforça a necessidade de se repensar as políticas públicas, criando outras condições para vidas mais estáveis. O desafio é, simultaneamente, individual, social, económico e cultural.

A ironia não deixa de ser preocupante: nunca fomos tão livres para amar, mas nunca estivemos tão sozinhos. E isso não nos deixa particularmente felizes. Pelo contrário.

Felisbela Lopes