A designação, "Trabalho XXI", atribuída pelo Governo ao seu Anteprojeto de Lei da Reforma da Legislação Laboral é um logro. Na exposição de motivos, diz-se que a legislação laboral se mantém "ancorada nos modelos tradicionais de trabalho" e, por isso, "experimenta dificuldades perante os desafios do trabalho na era digital". Todavia, o que a proposta traz é um chorrilho de velharias, o aumento da exposição dos trabalhadores aos impactos negativos da digitalização e zero contributo à gestão dos desafios da robotização e da inteligência artificial.
Quanto ao trabalho em plataformas digitais, assume a transposição de uma diretiva europeia relativa às condições de trabalho e à proteção dos dados pessoais. Acontece, porém, que não há transposição quanto à parte da gestão algorítmica; é avançada uma alteração a critérios de laboralidade inscritos no Código ainda em vigor, que desprotege e precariza mais o trabalhador; coloca-se em colisão com a própria Agenda do Trabalho Digno da União Europeia e da Organização Internacional do Trabalho.
O Pilar Europeu dos Direitos Sociais, inscreve, no seu 4.° princípio: "Os jovens têm o direito de beneficiar de formação contínua, de aprendizagem, de um estágio ou de uma oferta de emprego de qualidade nos 4 meses seguintes à perda do seu emprego, ou à conclusão dos seus estudos". O 5.° princípio afirma que "Deve ser promovida a transição para formas de emprego sujeitas a contrato sem termo", enquanto o 8.° diz que "Os parceiros sociais (...) devem ser incentivados a negociar e celebrar acordos coletivos". As propostas do Governo, que já aqui identifiquei em crónicas anteriores, chocam frontalmente com estas disposições.
A greve geral marcada para 11 de dezembro já começou a dar resultados e outros invólucros mentirosos vão saltando. A CGTP-IN participou, até hoje, em todas as reuniões da Concertação Social, justificando, num exercício democrático, porque se opõe às propostas do Governo e coloca em cima da mesa propostas alternativas. É um mero exercício democrático. Os parceiros sociais estão todos em pé de igualdade, não pode haver marginalização de nenhum.
Recentemente, um jornalista sénior de um grande grupo da comunicação social afirmava, com ligeireza patética, que a CGTP não conta, que dali só vem "a berraria do costume". Refresquemos-lhe a memória: os direitos laborais e sociais, a defesa de muito emprego, a pressão para muitas empresas se modernizarem foram alcançados com essas "berrarias". No quadro social e político em que estamos, vão ser necessários muitos nãos radicais e muitas berrarias com conteúdos de futuro.
Que século XXI perspetiva o Governo? O do trabalho precário e barato. Como no século XIX, em nome da liberdade da exploração e da necessidade de se produzir mais, deixando a determinação das condições de trabalho e da distribuição da riqueza produzida entregues às boas intenções de quem domina os meios de produção e da economia financeirizada.