Praça da Liberdade

"Participação e descentralização" – homenagem a João Baptista Machado

Prestar homenagem é uma demonstração de respeito. Homenagear um mestre, a sua pessoa e o seu trabalho intelectual, é uma obrigação de discípulos gratos. Grande parte do meu trabalho profissional foi enquadrado na administração pública - onde os conceitos importam especialmente, sendo determinantes para percebermos o caminho que se pretende trilhar ou, dito de outra forma, para nos entendermos.

João Baptista Machado (1927-1989) foi meu mestre nos bancos da universidade, na dobragem dos anos oitenta do século passado, tendo deixado fortes marcas doutrinais e conceptuais. Sobre a sua excecional capacidade teórica cito apenas, por todos, outro mestre que também muito me deu a beber, Jorge Ribeiro de Faria, quando elogiou a sua capacidade de "reduzir ao essencial e verdadeiramente de interesse qualquer ponto controvertido a resolver".

Foi sobretudo com ele que aprendi, de forma cristalina, a distinção entre os conceitos que, a meu ver, são mais importantes para a clarificação jurídico-administrativa de um Estado: descentralização e desconcentração.

Quando falamos em regionalização, política ou administrativa, a distinção entre esses dois conceitos é fundamental. Contudo, a verdade é que, quase diariamente e ao mais alto nível, vemos esses conceitos serem utilizados/manipulados de forma objetiva e, creio, propositadamente confusa. Foi assim quando discutimos e votamos o referendo sobre a regionalização administrativa do continente, em 1998; é assim ainda hoje, no nosso dia a dia.

De uma forma muito simplista - para mais, leiam Baptista Machado! - à descentralização corresponde o conceito de devolução de poderes, o princípio da autonomia; à desconcentração o conceito de delegação de poderes, o princípio da hierarquia. Na alta complexidade da organização política e administrativa do Estado, podemos resumir desta forma a essência dos conceitos. O mais é confundir as pessoas.

A Constituição da República é clara: as regiões administrativas, diferentemente das regiões autónomas (políticas), são autarquias locais, com o mesmo nível constitucional dos municípios e das freguesias. Como tal, é seu pressuposto "a existência de um interesse coletivo próprio, diferente do interesse geral do Estado", o que implica a capacidade de definir uma vontade própria. "O ente descentralizado tem atribuições e poderes próprios e prossegue interesses próprios".

Localizar uma secretaria de Estado ou uma direção-geral fora da capital, para além de algum efeito psicológico, não é mais do que atirar areia aos olhos dos administrados. A localização geográfica não retira em nada a carga centralista de um órgão e das suas decisões. Diria até que dificulta e torna mais oneroso o exercício da função central - do Governo ou da Administração. O aplauso a estas medidas, equivale a reconhecer apenas a fachada; por trás, a estrutura permanece centralizada.

A atuação de um ente administrativo central em Miranda do Douro continua a ser um ato da administração central. Conclusivamente e no atual estádio constitucional, em Portugal Continental, só existe descentralização verdadeira quando as atribuições e competências são vertidas nas autarquias locais, ou seja, nos municípios e freguesias. As entidades intermunicipais, tão na moda, não preenchem esse requisito, não apenas no que respeita à escala, como na sua legitimidade política. Esta é apenas e só a que lhes é delegada pelos municípios. Coisa semelhante, mutatis mutantis, pode dizer-se a respeito das entidades regionais.

Parafraseando, ou quase, Júlio Dantas, na sua "Ceia dos cardeais", poderíamos dizer que, se o professor Baptista Machado fosse devidamente estudado, como seria diferente a descentralização em Portugal.

Manuel de Novaes Cabral