Cultura

"Accatone": o primeiro voo de Pasolini

Franco Citti é Accatone, no primeiro e fulgurante papel do ator no cinema italiano Foto: Direitos Reservados

Estreia do cineasta italiano Pier Paolo Pasolini, em 1961, revela a falta de horizontes dos subúrbios italianos. Filme inaugura uma nova etapa do neorrealismo.

Começou por ser censurado e provocar motins em salas de cinema - no Barberini, em Roma, um grupo de extrema-direita invadiu a sessão e lançou "very-lights" para a plateia e garrafas de tinta para o ecrã - e acabou, em 2008, por figurar na seleta lista do ministério da Cultura italiano "100 filmes nacionais a preservar". "Accatone" (1961) foi a estreia de Pier Paolo Pasolini (1922-1975) na realização.

Centrado num "borgate" (espécie de favela nos arredores de Roma), o filme acompanha Accatone (ou "parasita"), um proxeneta interpretado por Franco Citti, também no seu primeiro papel. Quando a sua prostituta (Silvana Corsini) é presa, após altercações com um gangue rival, e Accatone se vê sem rendimentos, tenta voltar à ex-mulher e ao filho, mas é rejeitado. Tenta também um trabalho honesto como operário, mas o salário de miséria fá-lo voltar à exploração de mulheres e aos assaltos.

Pertencendo a uma nova etapa do neorrealismo - ou superando-o definitivamente, as opiniões dividem-se -, pelo seu estilo cru e visceral, com uso abundante de close-ups, diálogos em vernáculo e retratando, mais do que o povo, o lúmpen, a obra lança pistas sobre o futuro cinema de Pasolini, realizador, poeta, ator, ativista e agitador. A imbricação de temas sócio-políticos com tabus sexuais, que marcaram filmes como "Salò ou os 120 dias de Sodoma" (1975) ou a "trilogia da vida" (1971/74), está já patente em "Accatone". Assim como o interesse pelos heróis pícaros.

O filme reflete sobre um contexto que estreita as opções do protagonista, mas sem carga didática, deixando os juízos para o espectador. Estreou no 22°. Festival de Cinema de Veneza, onde suscitou logo polémica, e teve como assistente de realização Bernardo Bertolucci, que considerou a experiência a sua "escola de cinema". A música de "Accatone" é integralmente de Bach.

"Accatone"
Pier Paolo Pasolini
RTP Play

Ricardo Jorge Fonseca