Marco da Silva Ferreira regressa com a nova coreografia "F*cking future". Estreia esta sexta-feira no Teatro Rivoli, no Porto.
Há em "F*cking future" uma genealogia invisível, um fio que puxa desde as primeiras investidas do corpo de Marco da Silva Ferreira para algo que nunca foi apenas dança - já em "Hu(r)mano" se percebia essa pulsão por habitar o corpo como memória, quase um grito mudo, a tensão perene entre o íntimo e o coletivo. E em "Brother" e "Bisonte" crescia a consciência de corpo plural, urbano, fragmentado, atravessado por resistências e urgências. "F*cking future" aparece, então, como herdeiro dessas linhas: não para repetir, mas para refundar.
O palco inaugura um espaço de risco para a esperança ou talvez para a ferida que habitamos: o futuro não é dado, é convocado. E os intérpretes movem-se como navegadores de uma paisagem tóxica e sedutora: fugacidade, tabus, promessas e virilidade. A coreografia não obedece a narrativas lineares, antes rasga um mapa de possibilidades e desperta a inquietação, em comparação com "Carcaça", onde Marco construiu uma cartografia da memória coletiva, entre footwork urbano, danças folclóricas e identidades herdadas.
O som e a luz trabalham como veias: o ruído não ilumina, atravessa. O espaço não é palco: é corpo expandido, memória que se esqueceu, desejo que se recusa a sarar. Há uma urgência desesperada - não de fechar feridas, mas de as manter abertas, vivas, permeáveis e uma velocidade no movimento constante.
A opção pela ausência de respostas é quase uma intervenção política: na fissura do presente, invoca-se o futuro. "F*cking future" não promete redenção: oferece-nos territórios indecisos, convites para errar, para duvidar, para levar o corpo adiante. E talvez aí, no entrelaçar do possível e do indizível, repensemos o que significa estar vivo, ou dançar, de olhos bem abertos, num tempo sem garantias de um futuro porvir.
"F*cking future"
Teatro Rivoli, Porto
Sexta e sábado, 19.30 horas