Com a publicação da transcrição das escutas a António Costa no âmbito da Operação Influencer, abre-se mais uma ferida no Estado de direito e na validação da confiança no Ministério Público, como se este último tivesse uma conta vazante a céu aberto, inquietante edital de voyeurismo e falta de compromisso com o segredo de justiça.
As transcrições das escutas a que tivemos acesso reacenderam o debate público e político, mas o que mais alarma não é tanto o que se revela, mas muito mais toda a construção que permite que tudo isto seja permitido, ou seja, o livre trânsito para a realização e a preservação das escutas e tudo o que foi mantido na gaveta por gozo ou certeza da impunidade. Todo o tempo sem tempo em que tal sucedeu. Sobretudo, tudo o que não sabemos, o que foi gravado e quem mais foi escutado.
Sem qualquer razão ou apenas por defeito, por pura desconfiança. Há uma suspeição maligna sobre qualquer político ou qualquer pessoa que exerça cargos públicos, resultado da sementeira da demagogia dos populistas. Para estes, aqueles que lucram no templo dos vendilhões, todos os políticos são iguais, suspeitos antes de qualquer culpa, formalmente acusados de pertencerem ao "sistema", apenas por respirarem assim que assumem qualquer responsabilidade. Quem lucra com esta desconfiança que apouca e espezinha quem exerce cargos públicos é quem pretende o fim do sistema democrático, quem procura alargar o manto da suspeição e da corrupção a todos, para que a desacreditação do sistema seja infindável. São, no fundo, os chefes informais de um sistema judicial que lhes faz um fato à medida, pela mão dos que preservam escutas à náusea e "ad eternum" sobre resultados de futebol europeus e questões políticas devidamente reservadas e sem relevância criminal.
Tudo isto tem um nome e deve ser espelhado tal como é: espionagem política. Não sem dó nem piedade, antes sem qualquer noção de adequação ou vergonha, com visados a serem escutados durante anos até que se encontre uma frase ou um silabar estranho para que se confirme uma qualquer teoria da conspiração onde quem é escutado não é tido nem achado, não é ouvido, não pode consultar o processo para se poder defender e vê todo o conteúdo das escutas despejado em jornais e revistas. É numa latrina a céu aberto que se faz justiça, seguramente não a quem devia ser investigado, julgado e, eventualmente, punido. Entretanto, fazem-se cair governos. Até ao próximo.