Opinião

Sobre a vida, a minha e a sua

Na maioria do tempo em que estamos vivos não acontece rigorosamente nada de que nos possamos lembrar. Se tivermos sorte, conseguimos retirar algum sumo de um por cento de tudo o que fomos, das pessoas que conhecemos, dos amores que vivemos, das desilusões fortes, dos momentos fundadores ou destruidores. Num terço do tempo estamos de olhos fechados e gastamos energia nos caminhos para cá e para lá, nas conversas quase sempre de ocasião, na casa de banho, na cozinha e nas refeições, nos jogos e joguinhos, na repetição de tarefas, no arrumar da casa, nos supermercados, no telemóvel, nas respostas a emails, nas porcarias que vemos e lemos, nas más canções e nas pessoas desinteressantes que conhecemos. Mesmo quando estamos com quem amamos, mesmo aí, na maioria do tempo, não acontece nada de que nos possamos recordar. E quando caminhamos sozinhos, a mesma coisa. Temos os rituais, os nossos prazeres, as nossas fugas e as cruzes que carregamos, mas tudo espremido é pouco, quase nada. Momentos decisivos são muito poucos. Numa vida normal, contar-se-iam num único e solitário parágrafo. Mas é precisamente por isso que a vida é maravilhosamente radical. A vida é o que em nós acontece quando nada parece acontecer. Somos e definimo-nos mais no silêncio, e no que aparenta ser irrelevante, do que nas grandes ocasiões conversadas em todos os natais. A vida é-nos confortável quando estamos confortáveis connosco próprios, quando gostamos da nossa própria companhia. Estamos absolutamente por nossa conta, o resto é conversa e esquecimento.

Luís Osório