Praça da Liberdade

Saúde: gestão e tecnologia também social

O tema da saúde e os seus grandes desafios está, como nunca esteve, na ordem do dia, merecendo o respetivo diagnóstico consensos cada vez mais alargados, pelo menos ao nível das suas grandes linhas: uma enorme pressão demográfica combinada com a exigência de mais e melhores cuidados, num quadro de manifesta escassez de recursos humanos e de eminente rutura na escalada de meios financeiros para lhe dar suporte.

Estamos à beira de uma crise muito séria, que se estende a todas as geografias com sistemas nacionais estruturados, gerais, universais e tendencialmente gratuitos, onde um desfecho negativo trará consequências imprevisíveis, mas certamente dramáticas para a nossa qualidade de vida e para a coesão social. Atrevo-me a dizer que temos andado a brincar com o tema há tempo demais sem nos apercebermos verdadeiramente, em termos coletivos e enquanto nação, do quadro negro que podemos ter pela frente se não tivermos, como tudo parece indicar que não vamos ter, a sensatez e a determinação que são necessárias para enfrentar o problema.

Mas se quanto ao diagnóstico o consenso começa a ser grande e alargado - desde logo porque as evidências são cada vez mais gritantes -, já quanto às medidas e às ações a levar a cabo para a sua superação, as divergências ainda estão muito presentes e vincadas. E aqui, a grande clivagem está entre os que têm medo da mudança e se aconchegam no imobilismo, se calhar porque acham que aí possa estar a defesa dos seus interesses, e os que querem mudar, com mais ou menos disrupção, porque têm poucas dúvidas de que ou mudamos ou vai acontecer o desastre.

Eu estou claramente no segundo grupo e, quanto a medidas, sou dos que defendem um choque de gestão e de tecnologia. Com efeito, dói ver o quanto estamos atrasados na incorporação das mais modernas ferramentas e modelos de gestão, que há muito tempo estão disponíveis e a dar bons resultados em quase todas as outras áreas. No que se refere à tecnologia, não é fácil compreender e aceitar o quanto na saúde estamos atrasados na incorporação do digital, no uso dos dados e, obviamente, na utilização da IA.

Mas há uma outra dimensão, a que vamos reconhecendo relevância, ainda que num patamar secundário, a qual aparece mais no discurso do que na prática e quase sempre como uma obrigação moral a que a nossa consciência coletiva nos obriga. Estou a falar do social.

E na dimensão social cabe quase tudo: o complexo universo das relações humanas, seja no lado de dentro do sistema de saúde, que envolve cada vez mais gente, com formações e motivações muito diversas, colocada em permanentes desafios, seja na relação igualmente desafiante do relacionamento do sistema com quem está fora dele, numa teia que não pára de crescer e de se alargar, quer ao nível da multi-institucionalidade quer na primordial relação dos profissionais de saúde com os seus clientes.

Cabe ainda a espiral, dramática e em descontrolo acelerado, em que se tornou o apoio aos mais velhos, aos mais desprotegidos e aos doentes em fim de linha, dada a falta de respostas estruturadas e integradas.

Continuo convicto de que não haverá choque de gestão e tecnologia se a dimensão social estiver ausente. E por isso, é também e muito por aqui que a mudança vai ter de passar, se queremos continuar a ter sistemas de saúde sustentáveis.

Joaquim Cunha