Em Santa Maria da Feira, ninguém sabe da Dona Lígia. Desapareceu a 26 de novembro sem deixar rasto, como se fosse uma espia e não uma mulher de 84 anos. No fatídico dia não se sentia muito católica, achaques da idade, não sei. Dirigiu-se às urgências, deram-lhe uma pulseira, mas ela, por estar esganada de fome ou por outro motivo, fugiu sem ser vista. Saiu do hospital e duas horas depois foi vista por um sistema de vigilância de um parque de estacionamento. Depois, mais nada. Evaporou-se. A polícia tem preparado a família para o pior e talvez a notícia acabe por chegar, mas a neta não desiste. E anteontem várias dezenas disseram que sim ao seu desesperado apelo. Marcou-se um lugar e começaram a aparecer. Primeiro um casal, depois mais e mais e mais. Dezenas de populares disponibilizaram-se para o que fosse necessário. Seguiram as linhas de água, percorreram o mato, bateram os jardins e os montes, viraram as freguesias do avesso e invadiram o castelo na esperança de um sinal, de um rasto, de uma voz sumida. Nada de nada. Dona Lígia continua desaparecida e não há nevoeiro que a resgate das profundezas onde a vida a escondeu. Mas a notícia bonita, o que me comoveu, foi o de tanta gente ter surgido para a procurar. Mulheres e homens da Feira que fizeram o melhor que puderam. Gente que não desistiu de fazer o que está certo, gente que foi gente, que ofereceu o seu exemplo para que não desistamos de acreditar que o Mundo ainda é um lugar habitado por quem se preocupa.