O XXVII Congresso da ANMP realizado em Viana do Castelo teve como lema "Poder Local, a proximidade que transforma Portugal". Seguem-se algumas reflexões.
Vivemos na sociedade da informação, do conhecimento e da comunicação, na era das multidões e das plataformas digitais e respetivas aplicações que são, cada vez mais, o novo lugar central da nossa vida coletiva. Nesta sociedade as multidões têm uma mobilidade muito elevada, seja por via da alta velocidade material, rodoviária, ferroviária e aérea, ou da alta velocidade imaterial, da internet, suas redes e plataformas digitais. Em termos de desenvolvimento e coesão territorial, as questão nucleares que aqui se colocam podem ser formuladas do seguinte modo: a programação e o planeamento destas duas vias de alta velocidade não acautelam as assimetrias do território nacional e cava-se o fosso entre a metropolização do litoral e o despovoamento do interior (1), a programação e o planeamento prometem uma versão mais efetiva dos programas integrados de desenvolvimento e coesão territorial (2), o país reage ao agravamento das assimetrias regionais e exige a criação imediata de cinco regiões administrativas com eleições diretas das assembleias regionais num prazo relativamente curto (3). Vejamos, mais de perto, estas três hipóteses em aberto.
(1) Metropolização e despovoamento
A aceleração da velocidade, seja material ou imaterial, cria um potencial de desenvolvimento, mas não cria imediatamente e necessariamente mais valor acrescentado e equidade territorial. As economias de rede e aglomeração estão já presentes na metrópole, mas não estão ainda na periferia interior e ninguém sabe muito bem quando lá chegarão. Isto é, a curto e médio prazo, a aceleração da velocidade aumenta a metropolização do litoral e não inverte a desertificação e despovoamento das áreas de baixa densidade (ABD). Digamos, simplesmente, que o litoral tira partido das economias de rede e aglomeração já existentes, enquanto o interior recolhe apenas benefícios marginais desses investimentos. Em síntese, a alta velocidade de via dupla (material e imaterial) converte-se numa espécie de crime de lesa-pátria.
(2) O PT2028-34 garante o aumento da equidade e coesão territoriais
Nesta hipótese, a filosofia política do PT 2028-34 procurará garantir, à partida, que no quadro dos programas operacionais, nacionais e regionais, sejam estabelecidas medidas preventivas, uma nova geração de infraestruturas e equipamentos, agendas mobilizadoras e consórcios empresariais com vocação específica para a valorização das áreas do interior (a 2ª geração de programas integrados de desenvolvimento territorial). Além disso, acautela e corrige os efeitos externos negativos de uma metropolização intensiva, que não só causa danos relevantes na sua malha urbana como no tecido das sub-regiões envolventes, convertendo-as em zonas periurbanas mal servidas de serviços públicos.
(3) A regionalização como reação política ao agravamento das desigualdades
As populações dão-se conta, rapidamente, de que na ausência de uma proposta efetiva de regionalização, a alta velocidade, as plataformas digitais, a automação e a IA, desencadeiam a desmaterialização e a desintermediação dos serviços ao público e, logo, uma redução nos mercados de emprego, o aumento do trabalho intermitente e a sua precarização. Por outro lado, aproximamo-nos daquele momento em que o principal empregador de muitos concelhos, a câmara municipal, pouco mais é do que uma simples loja do cidadão. Ou seja, a população das áreas de baixa densidade apercebe-se rapidamente de que, se não tiver poder político próprio, será progressivamente expropriada de muitas funcionalidades e competências próprias e capturada por uma lógica de poder que lhe é totalmente exterior, como, de resto, acontece já hoje. Por exemplo, o Alentejo todo tem menos deputados que o distrito de Setúbal.
Na ciência do desenvolvimento regional, algumas décadas atrás, a teoria sublinhava a importância dos recursos endógenos e dos polos de crescimento, dos meios inovadores e da destruição criativa, dos distritos industriais e dos clusters, isto é, um mínimo de concentração e aglomeração de recursos, serviços e produtos era necessário para assegurar o retorno dos investimentos. Hoje, na aldeia global e em plena sociedade tecno-digital, estas teorias são necessárias, mas já não são suficientes. Um dos eixos da ciência regional que merece ser estudado em profundidade e experimentado no terreno concreto diz respeito à relação entre a economia das plataformas e o homo digitalis ou, talvez melhor, à interação positiva entre as tecnologias digitais, onde também se inclui a IA, e a smartificação e criatividade dos territórios.
Dito isto, é evidente que existe, em Portugal, um nexo de causalidade entre metropolização, despovoamento da baixa densidade e regionalização, sobretudo, se certos
limites e métricas de desenvolvimento regional e coesão territorial não forem respeitados. Por exemplo, uma metropolização intensiva concentrada nas áreas metropolitanas de Lisboa, Porto e Algarve, baseada em fluxos intensivos de turismo, imigração e especulação imobiliária, desencadeará efeitos disruptivos e perversos em muitas áreas do interior, desde logo o seu despovoamento e, também, uma reação política, porventura radical, rumo à regionalização. Agora que se aproxima mais um quadro financeiro plurianual (QFP) para o período 2028-2034, deixo ao leitor algumas questões de reflexão sobre equidade e coesão territoriais:
- A prioridade das políticas públicas do QFP é dirigida preferencialmente para a metropolização das áreas de Lisboa, Porto e Algarve, onde o crescimento é mais rápido e se concentra quase todo o poder político do país;
- As áreas de baixa densidade ficam entregues aos paliativos e cuidados continuados, um imenso lar para os nossos idosos, mas, também, à ideologia do small is beautiful, ao turismo de natureza e aos terroirs vinhateiros de 2ª e 3ª residência, que a classe média e alta da aldeia global aproveitará para, por essa forma, criar alguns nichos de mercado no interior, todavia, insuficientes para reverter a situação de despovoamento;
- Nas condições enunciadas, uma regionalização efetiva do continente até 2030 no quadro do QFP, provavelmente, não ocorrerá; se assim for, se o interior ficar, mais uma vez, entregue aos cuidados continuados das políticas públicas, assistiremos, muito provavelmente, a uma reação política vigorosa das cinco regiões do continente, mesmo radicalizada, exigindo, antes de 2030, a realização imediata de eleições regionais para a assembleia regional e a formação do respetivo governo regional.
Aqui chegados, importa registar que no Congresso o primeiro-ministro reafirmou a intenção do governo de não abrir nesta legislatura o processo de regionalização. A dúvida sistemática que paira sobre o processo político de regionalização não permite discutir com serenidade as várias alternativas em presença. E qual é essa dúvida sistemática? A despesa pública permanente gerada pela regionalização não tem retorno suficiente para se pagar a si própria e, dessa forma, é mais um fator adicional de défice e dívida pública, sobretudo, num país que cresce pouco e não muda de modelo de crescimento e desenvolvimento. Enquanto a dúvida permanecer o país continuará "entalado" entre os excessos de centralismo e localismo e capturado por uma mentalidade conservadora e corporativa que se deixou acomodar a um modelo monótono de crescimento.
Nota Final
Na sociedade tecno-digital o processo futuro da regionalização estará muito ligado à nova geografia económica das plataformas digitais. Em causa, em cada região, o respetivo ecossistema tecno-digital e um programa imenso por executar: a qualidade da cobertura digital (1), a natureza das plataformas, globais e/ou regionais, (2), o acesso, aos modelos de ensino-formação digitais (3), a geoeconomia das plataformas, os serviços de proximidade, mobilidade e aglomeração (4), a conexão com as cadeias de valor locais e regionais e os mercados de trabalho (5), o impacto da economia das plataformas sobre o rendimento e a fiscalidade locais e regionais (6), as relações com as instituições de ensino superior, as operações de investigação-ação e a criação do emprego jovem qualificado (7). Na conjuntura atual, as novas atribuições e competências das CCDR talvez possam evoluir, desde já, para um governo de missão regional com poder político próprio e um orçamento dedicado para executar um programa integrado de desenvolvimento regional e coesão territorial. Teremos de voltar ao assunto.