Suponhamos que, por absurdo, um - não "o", mas "um" - presidente da República, no decurso de um acto público, decide fazer acerca de alguém da sua, digamos assim, área política (o Governo, por exemplo) uma referência que, não sendo ofensiva, é de elegância discutível. E que, ante a estranheza de quem o ouviu, explica: "Não falei enquanto presidente, mas sim enquanto cidadão".
Nesse caso, estaria apenas a seguir o exemplo do director-geral da Administração Eleitoral que, no Instituto de Estudos Eleitorais, no Porto, e a propósito das eleições que aí vinham, se referiu a um partido de forma politicamente bem incorrecta, afirmando que em circunstâncias normais já devia ter "morrido naturalmente" e que não é mais do que uma "criação mediática". É que, interrogado pela Imprensa, ele alegou que o que dissera o dissera apenas enquanto cidadão, como se o facto de ser o director-geral, não de uma qualquer coisa, mas da Administração Eleitoral não o obrigasse a mostrar mais respeito pelos 558 062 cidadãos que elegeram 16 deputados do Bloco de Esquerda.
Enfim, mas não demos a este incidente mais importância da que, na aparência, lhe deu o próprio BE. Registe-se apenas que esse argumento de que os direitos dos cidadãos não colidem, nunca, com o desempenho de certas funções pode levar a situações susceptíveis de causar mal-estar na chamada opinião pública. E lembro-me da procuradora da República que (alegadamente), etilizada, circulou (alegadamente) em contramão e chegou a ser detida pela Polícia Municipal. Também ela poderá alegar que o que fez de mal o fez enquanto cidadã - mas não deveria esquecer-se de que, sendo magistrada, tem mais responsabilidades do que o comum dos... cidadãos. Penso eu, pelo menos!