Quando, há uns tempos, um indivíduo de bastão "de cuyo nombre no quiero acordarme" me insultou nestas páginas fiquei deprimidíssimo. Não pelos insultos mas porque ter um inimigo rasca é ainda mais humilhante do que não ter inimigo nenhum. Estou, pois, em boas condições para imaginar como se sentirá a Constituição da República depois de ouvir Medina Carreira afirmar na TVI24 que ela, Constituição, "não serve para nada [porque] não paga despesa nenhuma".
Como diria Pascal, Medina Carreira é um belo espírito (pelo menos as TVs acreditam nisso), só que não é geómetra. Sendo que a probabilidade de ele não dizer algo inteiramente previsível é inferior à saída da soma 1 no lançamento de dois dados.
O ex-ministro das Finanças é um desses ex-qualquer coisa que, no desemprego político, passam a animadores (no caso, a desanimador) televisivos. O sucesso das suas profecias "gore", neuroticamente repetitivas, junto de certos públicos (não custa a crer que os mesmos que deglutem avidamente filmes de múmias e vampiros) radica nos desvãos obscuros do inconsciente que a psicanálise clássica associa à pulsão de morte.
Ora a Constituição, mesmo não pagando "despesa nenhuma", serve obviamente para alguma coisa: para Medina Carreira ter sobre que falar. Dir-se-á ainda que as circunstâncias de Medina Carreira o contradizem, já que as suas prestações televisivas não servem para nada e, contudo, pagam-lhe as despesas.