Manuel Tavares

Devemos ter chegado aqui pelas auto-estradas. Não?!

Ao certo não sabemos quantos são. Mas sabemos onde estão: no Portugal interior. Esse mesmo onde assustados idosos compatriotas nossos se perguntam de que modo se hão-de fazer transportar para chegar a serviços essenciais e primários de saúde, de justiça, de água, de electricidade, de administração pública municipal. E também sabemos que a CP tem, como empresa que é, toda a razão quando responde com um encolher de ombros à ausência de alternativas públicas ou privadas de transporte para muitas dessas populações, sobretudo no Norte interior e no Alentejo, onde está em curso o desmantelamento abruto de linhas ferroviárias insustentáveis do ponto vista económico.

Porém, a compreensível posição empresarial da CP tem uma lógica economicista à qual o Estado, através do Governo e do Parlamento, deveria acrescentar o remédio político susceptível de minorar o efeito de isolamento criado pela falta de mobilidade e atrofia da vida daqueles de entre os nossos concidadãos que, por falta de forças ou, então, por indomável coragem, resistem ao êxodo rural em direcção à estreitíssima faixa litoral onde há de tudo para vender e comprar. E também se decidem as eleições.

Atrofiado pelo défice cavado a golpes de incompetência e irresponsabilidade por sucessivos governos e administrações públicas centrais, também o Estado parece encolher os ombros e aceitar o destino de desertificação do interior, em vez de traçar um plano para impedir que esses concidadãos se tornem portugueses de segunda apenas porque habitam fora dessa faixa de eleição onde Portugal ombreia e por vezes ganha aos seus parceiros europeus em redes de auto-estradas, de fibra óptica, de escolas, de hospitais ou até tribunais.

O mais paradoxal é que muito provavelmente chegámos a este estado de coisas pelas auto-estradas, essas mesmas que foram a marca do modelo desenvolvimentista do país ao tempo da governação do actual presidente da República. E que tantas e tão cruzadas que foram sendo construídas para servir de todas as formas e feitios os grandes aglomerados urbanos do litoral, acabaram por eliminar do plano nacional de transportes todas as estratégias que não rolassem sobre asfalto.

E mesmo assim é o que se vê! Uma corrida desenfreada ao utilizador pagador: não porque não haja aldeias, vilas e cidades do interior necessitadas de subsídios ao desenvolvimento, mas porque a rede rodoviária superinstalada no litoral se tornou impossível de pagar e manter através dos nossos impostos.

Por último: sendo cada vez menos, os portugueses que resistem e habitam no interior valem cada vez menos. Votos, é claro.

MANUEL TAVARES