O meu amigo José Armindo, de Vila Boa de Quires (bela localidade entre Penafiel e o Marco de Canaveses, para quem não conhece a "paisagem") fica sempre furioso quando lhe dizem que a marca do seu vinho foi escolhida a pensar na capital de Portugal.
"O meu vinho chama-se Pecado Capital e não capital do pecado" é o que ele costuma dizer com graça, sempre que o "picam" com o assunto.
Pensando bem, de facto, este vinho que foi recentemente considerado o melhor vinho verde branco do ano, em prova cega organizada pela Comissão de Vitivinicultura da Região dos Vinhos Verdes, nada tem a ver com a capital do país.
O Pecado Capital é um magnífico produto natural, nascido do espírito empreendedor de um jovem que nas poucas horas livres que a sua actividade numa empresa têxtil familiar lhe permite, apostou que conseguiria extrair da terra virgem um vinho de boa qualidade.
Falo do que conheço. Até este Pecado Capital chegar à medalha de ouro (e agora a esta página do JN) foram muitas horas, muitos recursos e muita paciência investida por quem poderia ter gasto esses tempos livres de papo para o ar ou a laurear a pevide.
Mas se ao Zé Armindo não faltam razões para não tolerar "misturas" entre os créditos da sua "pomada" e os ares de Lisboa, que estão a mais de 300 km das vinhas de Vila Boa de Quires, já lhe falta alguma razão quando se refere à cidade das Sete Colinas como a capital do pecado.
Bem pelo contrário, mais do que capital do pecado (que a muitos atrairia) Lisboa é fruto de uma espécie de pecado original, que cada vez mais a afasta da realidade do resto do país.
Reforçado com a "bênção" de D. Manuel Clemente (que o JN e muito bem tem erguido como um facho) não existe hoje a mais pequena dúvida que esse pecado original é a macrocefalia.
Convém que se diga que o contributo dado pelo bispo do Porto para a emergência e a discussão desta questão foi inestimável.
Não porque se trata de um bispo a falar autorizadamente sobre "pecados", mas porque os centralistas que gostam de tapar o sol com a peneira, ou os distraídos que teimam em deixar que aspectos fundamentais da sua vida lhes passem ao lado (mas depois aparecem a pedir "batatinhas") escusam de vir agora a terreiro com a sua prosápia habitual. Não, desta vez, não são "os do costume", que essas pessoas tratam, sempre como "uns tipos ligados aos futebóis" e mais meia dúzia de "lelés da cuca". Sendo que neste último caso o mais famoso "lelé da cuca" até anda pelo eixo Cascais-Lisboa.
Este pecado original de que Lisboa é vítima (os lisboetas de gema essencialmente) ainda por cima nem sequer é especialmente original. Qualquer país do Terceiro Mundo que se "preze" tem uma capital macrocéfala, rodeada de miséria por todos os lados menos por um (o ar...) e o resto do território à beira da desertificação.
Recordo-me com graça como se dizia na época da Expo 98, que mais esse investimento público gigante era fundamental ser feito em Lisboa, para assim recuperar a última zona degradada da cidade e poder torná-la uma capital europeia moderna.
Basta chegar hoje a Lisboa de avião, em dia sem nevoeiro, para perceber a dimensão dessa mentira, mas também para sentir que, à sua escala, a cintura de degradação da capital a aproxima muito mais de Caracas ou da Cidade do México do que de uma moderna capital europeia.
Não temos um país a duas velocidades como parece que vamos ter a Europa da moeda única. Temos uma capital que continua a engordar a toda a velocidade e já rebenta pelas costuras e o resto do país, bucólico, parado, a ver a "banda" passar.
A macrocefalia faz muito mal a Portugal no seu todo, mas também tem feito mal que chegue a Lisboa.
Os verdadeiros alfacinhas sabem bem do que estou a falar.