Num tempo de escassez, discutir o fim de um sistema tão estrutural como o da assistência na doença dos servidores do Estado (ADSE) parece gasolina em cima da fogueira. Mas é exatamente por isso que a questão foi recolocada na agenda pública por uma pessoa com grandes responsabilidades no país - o presidente da Administração do Hospital de São João.
O Serviço Nacional de Saúde (SNS) bate-se pela sobrevivência mas, em simultâneo, a liberdade concedida aos beneficiários da ADSE permite-lhes usar a saúde privada com grandes descontos, pagos pelo sistema público. Isto ajuda o país a ter uma saudável concorrência entre saúde pública e privada? Ou é dinheiro público que ajudaria a melhorar o SNS? O Barómetro JN divide-se. As respostas que publicamos são o melhor exemplo do enorme interesse do assunto.
[perguntas]
[1] O fim da ADSE seria uma boa medida para o Serviço Nacional de Saúde?
[2] Os hospitais públicos abusam dos "horários extraordinários" (em vez das horas regulares) para executarem cirurgias em lista de espera - e assim obterem financiamento extra?
[3] Concorda com o objetivo do ministro de regularizar as dívidas do Sistema Nacional de Saúde como uma das prioridades de 2013?
[respostas]
Nuno Sousa, diretor do curso de medicina da Universidade do Minho
[1] Sim. Não faz sentido a existência de subsistemas específicos (ADSE e outros) porque fomentam as desigualdades entre os cidadãos (todos contribuintes). Na prática o Estado está a financiar a ADSE, que por sua vez está a financiar largamente os sistemas assistenciais paralelos.
[2] O aumento da eficácia e eficiência dos hospitais públicos é essencial e o sub-rendimento de infraestruturas tão complexas como por exemplo os blocos operatórios é imoral. Obviamente isso implica uma profunda reestruturação das equipas, e dos seus horários de trabalho para que um funcionamento pleno não dependa do recurso sistemático ao trabalho em horário extraordinário. Uma nota final, para afirmar que é paradoxal que a disfunção do sistema seja recompensadora quer para o SNS, quer para os sistemas assistenciais paralelos.
[3] Com certeza que é relevante o pagamento das dívidas do SNS.
António Ferreira, presidente do Conselho de Administração do Hospital de S. João
[1] A ADSE (e outros subsistemas de saúde) deve ser sustentável apenas através das contribuições dos seus beneficiários (o que é uma impossibilidade, atendendo à despesa direta e indireta que origina) e não ser financiada pelos impostos dos cidadãos nem pelos recursos do SNS (tal como acontece atualmente).
[2] Desconheço. Creio é que o modelo baseado na produção adicional (SIGIC) exige uma reforma profunda.
[3] Sim, totalmente. O SNS não pode permanecer cativo dos seus fornecedores.
Isabel Vaz, presidente da Comissão Executiva da Espírito Santo Saúde
[1] Não. O fim da ADSE aumentaria a despesa pública em saúde e seria um retrocesso no sentido da livre escolha dos cidadãos pelo melhor serviço de saúde e da competitividade e inovação do sector.
[2] Não. O eventual abuso de horas extraordinárias tem a ver com má organização do trabalho. As listas de espera que estão dentro das quotas de produção atribuídas a cada hospital não têm financiamento extra pelas ARS.
[3] Sim. É imperativo honrar os compromissos assumidos e pagar as dívidas.
Manuel Antunes, cirurgião cardiotorácico e professor da Universidade de Coimbra
[1] Não sei porquê! A ADSE é um seguro cooperativo e solidário de saúde para o qual os funcionários do Estado pagam uma contribuição mensal. Deveria funcionar como tal, sem promiscuidades com o SNS.
[2] Isso não está necessariamente mal; o que está mal é que se possa produza menos no "horário normal" para aproveitar o "tempo extraordinário". E o "aproveitamento" é tanto dos hospitais como dos profissionais
[3] Sim, se houver disponibilidade financeira.
Purificação Tavares, CEO da CGC Genetics
[1] Os recursos disponíveis para os Servidores do Estado deverão ser diferentes do SNS? Uma gestão integrada de recursos poderá fazer sentido, simplificando processos e evitando redundâncias.
[2] Em alguns casos, é de admitir que assim aconteça. É preciso auditar.
[3] Indispensável. O Estado tem de cumprir com os pagamentos, tal como exige a cobrança de impostos. Não é admissível que as empresas sejam obrigadas a pagar impostos antes de receberem os pagamentos devidos do Estado.
Maurício Barbosa, bastonário da Ordem dos Farmacêuticos e professor da Fac. Farmácia U. Porto
[1] O que é absolutamente essencial é que haja uma política integrada que promovaum modelo de cuidados de saúde solidário, centrado no cidadão, garanta equidade no acesso e se baseie em fundamentos éticos e em critérios de racionalidade e sustentabilidade.
[2] Não tenho conhecimento de que seja assim. Por princípio, defendo que as horas extraordinárias sejam permanentemente sujeitas a rigorosíssimas triagens.
[3] Sim. O Estado deve ser exigente com os seus fornecedores, mas também tem de ser cumpridor.
Paulo Mendo, antigo ministro da Saúde
[1] Nada na Saúde deve ser extinto sem que a sua substituição seja garantida. Não me parece o Estado perca os 2% dos salários dos funcionários públicos no encerramento da ADSE sem cuidar de garantir as mesmas regalias no SNS, sem orçamento para tal.
[2] Os horários normais de 36 ou 40 horas semanais não garantem um funcionamento eficaz dos blocos. Por isso o recurso a horas extraordinárias.
[3] Claro. O peso das dívidas só encarecem a gestão.