Há menos liberdade de escolha na saúde? Portugal não se tornou num país de regime único, público, mas a crise do Estado está a obrigar os hospitais do Serviço Nacional de Saúde a lutar por todas as receitas possíveis - até porque, nas doenças mais críticas (caras), são eles quem vão acudir a doentes sem alternativas no mercado. A discussão sobre a ADSE passa por aí: quem fica com a receita/custo.
A par disso, os números do Governo revelam menor afluxo às urgências hospitalares, fruto das taxas moderadoras. De medida em medida, todas racionais, aproximamo-nos do ponto invisível que separa o acesso ao não acesso. Ou de uma fractura entre o público e o privado. A polémica em redor do internamento privado de Mário Soares é o exemplo de como estamos a discutir coisas impensáveis há meia dúzia de meses.
[perguntas]
[1] A menor utilização das urgências resulta de uma filtragem mais eficaz das idas ao hospital ou da inibição dos utentes pelas taxas moderadoras?
[2] A polémica em redor do internamento de Mário Soares num hospital privado faz sentido?
[3] A maioria dos hospitais privados ficam em risco se os utentes da ADSE não os puderem utilizar a custos reduzidos?
[respostas]
António Ferreira, presidente do Conselho de Administração do Hospital de S.João.
[1] Não estou certo, mas o objetivo das taxas moderadoras é esse mesmo - moderar a utilização indevida.
[2] Não. Nem sequer faz sentido a violação de privacidade a que habitualmente se assiste quando figuras públicas têm problemas de saúde.
[3] A iniciativa privada para ser sustentável não deve depender do financiamento público.
Isabel Vaz, presidente da Comissão Executiva da Espírito Santo Saúde
[1] Não disponho de dados para poder responder. Nos hospitais geridos pelo Grupo Espírito Santo Saúde, incluindo o Hospital público Beatriz Ângelo, em Loures, o número de urgências aumentou face aos períodos homólogos.
[2] Sem resposta (Isabel Vaz é presidente do grupo que detém o Hospital da Luz, onde Mário Soares foi internado).
[3] Não, dependendo obviamente do peso desse subsistema na suas estruturas de clientes.
Maurício Barbosa, bastonário da Ordem dos Farmacêuticos
[1] Resulta de ambas e também do clima geral de contenção. Importa apostar em consciencializar cada vez mais os portugueses para a utilização racional das urgências hospitalares e dos outros serviços de saúde.
[2] Não faz qualquer sentido. O sistema de saúde deve assentar cada vez mais num modelo de complementaridade e concorrência entre os setores público, privado e social, em que os utentes têm liberdade de escolha.
[3] Não vejo as coisas desse modo. Reitero o princípio geral enunciado na resposta anterior.
Manuel Antunes, cirurgião toráxico e professor da Universidade de Coimbra
[1] Provavelmente dos dois fatores. Tem havido alguma educação da população no sentido de evitar o desperdício, mas a crise tem também tido um efeito "moderador". Tenho experiência de alguns casos. É ainda possível que haja alguma resistência ao aumento das taxas. Aqui há que fazer melhor a pedagogia. A maior parte dos doentes não tem noção dos custos reais dos serviços prestados e de quão diferentes eles são das taxas. Não é mais possível poder continuar a ter uma saúde tendencialmente gratuita.
[2] Mário Soares tem o direito de recorrer ao serviço que entender mas a sua (correta) defesa do SNS levará muitos a questionarem-se porque é que no momento próprio a sua escolha foi outra.
[3] SIM. A ADSE é o maior sustentáculo da clínica privada, individual ou institucional.
Nuno Sousa, diretor do curso de Medicina da Universidade do Minho
[1] Penso que infelizmente há uma predominância da segunda justificação, embora exista de facto um sistema mais eficaz de evitar idas desnecessárias ao Hospital.
[2] Claro que não. Defendo que cada cidadão é livre na escolha do local onde entende que os cuidados de saúde devem ser prestados.
[3] Penso que não, mas de qualquer forma não é lógico (nem sustentável) que o Estado financie os privados num mercado livre. A obrigação do Estado é para com o SNS.
Purificação Tavares, CEO da CGC Genetics
[1] A correta utilização dos Centros de Saúde tem como consequência deixar apenas os casos urgentes para as Urgências.
[2] Portugal oferece excelente atendimento hospitalar, seja ele público ou privado, do melhor que há na Europa. O doente segue as instruções do seu médico - desconheço os critérios desta decisão.
[3] A pergunta seria outra: se as instituições privadas conseguem esta eficiência com custos reduzidos, então o que pagamos pela da saúde pública é mesmo exorbitante.
Paulo Mendo, antigo ministro da Saúde
[1] As taxas moderadoras tinham como finalidade serem um pequeno travão que não limitava o acesso, mas continha a ida " por não ter nada que fazer". A crise fez funcionar este comportamento racional.
[2] Se defendemos a liberdade de escolha que razão temos para criticar quem pode escolher?
[3] Se acabarem com a ADSE sem estudos ponderados alternativos perdemos todos.