A investigadora Isabel Guerra, do DINÂMIA'CET - Centro de Estudos Sobre a Mudança Socioeconómica e o Território, defende que, embora o Programa Especial de Realojamento tenha dado casa a quase 35 mil famílias, criou "guetos urbanísticos e sociais
Para asocióloga, o programa de realojamento criado através de umdecreto-lei de 7 de maio de 1993 e que cumpre agora 20 anos foi deinegável importância para as famílias que dele beneficiaram - quesaíram de barracas para viver numa habitação -, mas foi, ao mesmotempo, "injusto" e "demasiado precipitado",tendo-se recorrido, na maioria dos casos, a soluções deconcentração urbanística "a que Europa já não recorria hádécadas".
Ainvestigadora, que participou entre março e dezembro de 1997 numestudo para avaliar a fase inicial do programa, critica ainda o factode esta solução para erradicar as barracas das áreasmetropolitanas de Lisboa e Porto "não ter sido negociada com asautarquias".
"Aprimeira questão é a descontextualização deste programa de umapolítica de habitação. Um programa não faz uma política",disse à Lusa Isabel Guerra. Para a socióloga, o PER criou "muitainjustiça" por limitar o realojamento a pessoas que vivessem embarracas. De fora, explicou, "ficaram algumas pessoas queestavam, por exemplo, em casas sobreocupadas ou degradadas".
Oprograma, disse, não foi integrado "em políticas de habitaçãocom maturação, com pensamento, com reflexão", nem contemplou"acordos de parceria entre os municípios e as autarquias"- foi, resumiu, "um bocadinho atabalhoado", que teveconsequências.
Écerto, sublinhou, que "não se pode menorizar o impacto que orealojamento tem na qualidade de vida das pessoas que viviam embarracas", mas são "evidentes" os problemas quedecorreram da falta de experiência das autarquias em lidar com aprodução de habitação e processos de realojamento.
"Houvemuitos problemas na concretização do programa, porque ele não foinegociado. De repente, [o poder local viu-se com este desafio emmãos], sem dispor de técnicos de habitação, terrenos, 'know-how'em termos de construção e sem, do ponto de vista político, poderdizer que não, porque efetivamente os municípios tinham grandesnecessidades nos seus territórios", afirmou, explicando que foieste contexto que serviu de argumento às autarquias para teremconcentrado a construção.
Naperspetiva de Isabel Guerra, "o modelo de solução dominantefoi completamente desadequado à situação" e Portugal "nãoaproveitou as experiências internacionais". Na Europa, disse,"há mais de 20 anos que não se construíam grandes bairros derealojamento", devido aos "efeitos negativos e perversosque isso tem nos processos de socialização", criando "guetosestigmatizados", salvo "honrosas exceções".
Para opresidente do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana(IHRU), Vítor Reis, "dificilmente teria sido possível"fazer as coisas de outra forma, dada "a dimensão do problema"e considerando que existia um défice de "meio milhão dehabitações".
"Essacrítica é feita usando o exemplo dos países que já não tinham asituação que nós tínhamos em 1993. Esses países, quando tinham asituação que nós tínhamos em 1993, tiveram que recorrer à mesmasolução", argumentou.
O PERfoi criado em 1993 para realojar agregados familiares residentes embarracas ou habitações similares nas áreas metropolitanas deLisboa e Porto.
Deacordo com o IHRU, começou-se por recensear mais de 48 mil famíliasa realojar em 27 municípios de Lisboa e Porto (que passariam a ser28 com a criação do município de Odivelas) e estão hojerealojados quase 35 mil agregados. Existem ainda, e contabilizando asdesistências, mais de três mil casos por resolver.