Uma das ferramentas mais poderosas dos nossos tempos é a da investigação científica na saúde. Só assim a esperança de vida tem subido em todo o Mundo. Isto tem um preço: é caro ter cientistas a tempo inteiro e é difícil inventar novas fórmulas.A missão da indústria farmacêutica em todo o Mundo não podia ser mais nobre. Mas infelizmente ela é também reflexo de empresas gigantescas, cotadas em Bolsa, guiadas pela maximização do lucro. Daí que, sem boas margens, fujam de estar nos países onde estiveram antes a faturar abundantemente. Nos tempos recentes foi assim na Grécia, agora em Portugal.
A farmácia que temos na rua é o rosto final, e menor, de algo muito maior e grave: o processo global de perda de missão das grandes multinacionais dos medicamentos. Caminhamos de novo para a criação de "Laboratórios do Estado"?[perguntas]
[1] A falha de medicamentos nas farmácias portuguesas resulta de quê?
[2] Por que existem tantos casos de baixas médicas irregulares passadas por médicos
[respostas]
António Ferreira, presidente do Conselho de Administração do Hospital de S.João
[1] As causas são múltiplas: exportação paralela visando aumento de lucro, gestão mais apertada de stocks nas farmácias, etc. Pode combater-se com: maior fiscalização e notificação, coimas mais elevadas, produção nacional dos medicamentos em falta, etc.
[2] Essencialmente por fraude. Atestados "de complacência", falsificação de documentos médicos e simulação.
Isabel Vaz, presidente da Comissão Executivo da Espírito Santo Saúde
[1] Tem-se atribuído parte dessa falha à exportação ilegal por algumas farmácias, o que deve obrigar a uma melhor fiscalização do setor. Quanto às falhas de remédios mais baratos, que a indústria não repõe, a resposta do Governo pareceu-me adequada.
[2] No caso das baixas, há também um problema de fiscalização, que cabe à Segurança Social. Porém, trata-se de casos pontuais, que de forma alguma afetam a reputação da classe médica como um todo.
Manuel Antunes, cirurgião toráxico e professor da Universidade de Coimbra
[1] Se se reduziu a margem de comercialização das farmácias, especialmente para os medicamentos mais baratos, para valores não compensatórios, numa economia de mercado é natural que não se sintam motivadas a vender.
[2] Ainda que, nalguns casos, possa haver má prática médica e até corrupção, o médico tem, frequentemente, muita dificuldade em aferir o grau de incapacidade do doente. É impossível "medir" uma dor de cabeça e ela pode ser muito incapacitante para certas pessoas e atividades.
Nuno Sousa, diretor do curso de Medicina da Universidade do Minho
[1] Resulta de se encarar a questão de uma perspetiva meramente economicista. Deveria ser criado um laboratório do Estado para a produção dos fármacos que não apresentem margem comercial e que assegurasse as necessidades clínicas.
[2] Resulta de um problema cultural e um educacional. Por um lado, vive-se a cultura do "nacional porreirismo" mesclada com pitadas de corrupção; por outro lado, a educação é permissiva tentando compensar erros do sistema com outros erros.
Maurício Barbosa, bastonário da Ordem dos Farmacêuticos e professor da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto
[1] As razões são várias e não uma só (exportação) como se quer fazer crer. Na base de tudo está a dura razão da viabilidade. Há razões inerentes à indústria (problemas no fabrico, política de abastecimento do mercado, descontinuação de produtos por motivos comerciais), à distribuição (financeiras, exportação) e às farmácias (de custos, preços, liquidez, economia de toda a unidade).
[2] Por complacência. Como em tudo, fraudes são fraudes, são casos de Polícia, pode haver apenas uma questão de grau.
Paulo Mendo, antigo ministro da Saúde
[1] A situação atual do conjunto das farmácias, distribuidores e indústria farmacêutica, depois do ataque mortífero que o ministro Correia de Campos lhes moveu, não permite pensar que seja possível ao setor mais do que evitar a falência e tentar sobreviver.
[2] O médico não pode deixar de acreditar na queixa do doente, base de todo o exercício médico, pelo que a lei o obriga a executar uma tarefa de que ele não se pode assumir como responsável de uma qualquer fraude.
Purificação Tavares, médica Geneticista, CEO CGC Genetics
[1] O serviço é complexo e precisa de rigoroso planeamento. Sem isso, facilmente surgirão falhas.
[2] Os médicos tratam pessoas, sabem das suas vidas e necessidades; e a sua interpretação da lei pode não ser rigorosamente uniforme. Mas na atualidade todos sabemos as regras
a cumprir para que os procedimentos dos profissionais sejam homogéneos.