Economia

Portugal cometeu o erro de ser o melhor aluno da 'troika', diz economista belga

"Governo português fez o grande erro de tentar ser o melhor da turma no concurso de beleza da austeridade" Diana Quintela/Global Imagens/Arquivo

O economista Paul de Grauwe entende que Portugal cometeu o "erro" de ser o melhor aluno da 'troika', quando a economia estaria melhor se assim não fosse, e defende um lóbi do Sul da Europa para mudar políticas europeias.

"OGoverno português fez o grande erro de tentar ser o melhor da turmano concurso de beleza da austeridade. Não havia razão para Portugalfazer isso, podia não ser o melhor da turma, podia ser mesmo o piore isso seria melhor para economia", considerou em entrevista àLusa o economista belga, professor na London School of Economics,para quem Portugal tinha de levar a cabo medidas para reduzir adespesa, mas ao longo de mais anos, de modo a suavizar o impactoeconómico.

Atéeconomistas do Fundo Monetário Internacional (FMI), afirmou, jáperceberam que não é possível "fazer a austeridade toda aomesmo tempo", enquanto na Europa os líderes continuamimutáveis.

"Portugale outros países do Sul da Europa deviam unir-se e dizer que amaneira como os tratam não é aceitável. Quando Portugal, Grécia,Irlanda e Espanha levam a cabo medidas de austeridade, os outrospaíses do Norte da Europa deviam fazer o inverso e estimular aeconomia. Vocês têm influência na Comissão Europeia, mas não ausam", disse Paul de Grauwe.

Equilibrar a economia

Para oeconomista, se os países com contas públicas mais fortesfomentassem a expansão, isso contrariaria a contração orçamentaldos países da periferia, equilibrando a economia europeia.

Oexcedente comercial (diferença entre exportações e importações)da Alemanha, que atingiu um valor histórico em setembro de 20,4 milmilhões de euros, também é um problema para Paul de Grauwe, jáque "se uns têm excedentes, outros têm défices".

No iníciodo mês, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos já criticou aAlemanha por usar a crise para fomentar excessivamente asexportações, o que obriga os países da periferia a um ajustamentoexcessivo. Também o FMI veio entretanto dizer que a Alemanha podiacontribuir para a estabilização da economia da Zona Euro seaumentasse o consumo interno.

Para oeconomista, toda a Europa devia estar comprometida em fazer os paísescomo Portugal saírem da recessão económica, já que oendividamento não é só culpa destes, até porque para haver quemdeve tem de haver quem empresta.

"AZona Euro tornou-se um sistema em que a nações creditícias mandam.Mas a responsabilidade da crise não é só dos devedores, mas tambémdos credores. Por isso, a Comissão Europeia devia intervir nointeresse dos credores e também dos devedores", considerou.

Sobre sedeve ser colocado um limite ao défice e endividamento daConstituição portuguesa, Paul de Grauwe rejeitou de imediato,considerando que "não faz qualquer sentido", já quehaverá sempre períodos em que os países têm de aumentar o seuendividamento para acomodar as crises cíclicas e proteger oscidadãos.

"Ocapitalismo é um sistema fantástico, mas muito instável, queproduz altos e baixos, períodos de otimismo e pessimismo, e nosbaixos o Governo tem de juntar as peças e os déficesnecessariamente aumentam. Precisamos de Governos que protejam oscidadãos, que os ajudem [quando estão mal]. Se não o fizerem, alegitimidade dos Governos fica em causa", explicou.

"Mito" das reformas estruturais

A necessidade de reformas estruturais em Portugal é um "mito", disse o economista, para quem essa solução ignora que é a falta de procura que provoca a recessão da economia.

"Foicriado o novo mito de que temos fazer reformas estruturais. Oproblema hoje não está do lado da oferta da economia e as reformasestruturais lidam com isso. Claro que temos de ser mais eficientes,mas o problema é que mandamos abaixo a procura e em resultado aeconomia não cresce. Temos de alterar isso", defendeu.

Para oeconomista, o que se passa é que os líderes que definem aspolíticas económicas "foram educados nos anos 70, em que oproblema era do lado da oferta da economia", e não perceberamque a crise económica que a Europa atravessa é de uma dimensãodiferente.

"Vocês[em Portugal] fizeram reformas estruturais, flexibilizaram,reformaram o mercado de trabalho e não resultou. Porque o problemaestá do lado da procura", explicou o académico.

Alémdisso, considerou, o Banco Central Europeu devia intervir ainda mais.

Opensamento do economista belga coincide com o de Joseph Stiglitz,prémio Nobel da Economia em 2011 e antigo vice-presidente do BancoMundial. Para este economista norte-americano, as reformasestruturais europeias "foram desenhadas para melhorar a economiado lado da oferta e não do lado da procura", quando o problemareal é a falta de procura.

Cavaco"fecha os olhos à realidade"

Paulde Grauwe considera que Portugal não deverá conseguir fugir a umareestruturação da dívida e que não é masoquismo os portuguesesdiscutirem este tema, mas continuarem a punir-se a si mesmos com maisausteridade.

"Portugaltem tanta austeridade que a dívida se tornou insustentável, algotem de ser feito. Não acho que consiga sair do problema hoje sem umareestruturação da dívida", defendeu, considerando que opresidente da República, Cavaco Silva, está a "fechar os olhosà realidade" quando considerou que é "masoquismo"dizer que a dívida portuguesa não é sustentável.

"Claroque se deve falar disso. Estão a transferir receitas para osestrangeiros, que sentido faz isso?", questionou o economista,para quem é "quase masoquista" os portugueses "punirem-sea si mesmos".

Na suaopinião, "é difícil entender como pode o Governo magoar apopulação e sentir-se orgulhoso disso".

Em Lisboapara participar na conferência que assinala os 25 anos do INDEG, aescola de negócios do ISCTE -- Instituto Universitário de Lisboa, oeconomista lembrou que há uns anos Portugal era um país solvente.No entanto, as políticas de austeridade levaram à recessãoeconómica e aumentaram de tal forma o endividamento que agora correo risco de não conseguir pagar a sua dívida.

"Umnovo programa de austeridade vai empurrar Portugal para ainsolvência", antecipou, considerando-a "inevitável"quando o país "foi posto numa austeridade tão intensa que setornou contraprodutiva" para a economia.

"Mais sacrifícios para quê?"

"Dizemaos portugueses que têm de fazer mais sacrifícios. Para quê? Parapagar a dívida aos países ricos do Norte [da Europa]. Isto seráexplosivo, os portugueses não vão aceitar isso indefinidamente",antecipou.

Paul deGrauwe defende que numa eventual reestruturação da dívida sejamenvolvidos não só os credores privados, mas também oficiais, casodo Banco Central Europeu (BCE).

A dívidapública de Portugal chegou aos 131,4% do Produto Interno Bruto (PIB)no final de junho, segundo o Banco de Portugal. O Governo previa que,este ano, a dívida das administrações públicas atingisse 122,3%do PIB, mas entretanto reviu em alta esse valor para 127,8%.

Em junhode 2011, pouco depois de Portugal ter recorrido à ajuda externa, adívida era de 106,9% do PIB, ainda assim bem acima dos 71,7% dofinal de 2008.

Redação