Alberto Castro

O Mundo está perigoso

Os resultados do referendo na Suíça, se conjugados com os que as sondagens sobre as próximas eleições europeias permitem antecipar, deviam fazer soar campainhas de alarme por toda a Europa. Com algumas variantes, assiste-se ao regresso, em força, das ideias populistas e proteccionistas, perigosas irmãs gémeas que não escolhem campo político.

O problema são os outros. As pessoas, primeiro. Dir-se-ia que isso distingue, apesar de tudo, a Direita da Esquerda mais propensa a dar prioridade aos movimentos de bens ou de capital. As fronteiras são mais ténues do que se possa pensar, como há pouco ficou demonstrado na Bretanha, com a passagem de um círculo eleitoral dos comunistas para a extrema-direita. Em tempo de desemprego elevado e de crise económica (por mais que os dirigentes políticos apregoem o seu fim, essa não é - ainda? - a percepção da rua), os imigrantes são um alvo fácil como a Suíça, com uma taxa de desemprego baixíssima, demonstra. A questão, o perigo, está no começar. Começando, não se sabe onde, quando ou se vai parar. Começa-se por uma decisão preventiva, que nos dá jeito, nos protege, na expectativa de que tudo o resto que também nos dá jeito, nos beneficia, se mantenha igual. Só que, do outro lado, pode haver, há, quem se sinta afectado. E retalie, com medidas que compensem o dano inicial e, já agora, favoreçam os seus próprios interesses. Se não houver bom senso, a escalada proteccionista é inevitável. Vários conflitos assim surgiram, com a economia a ser o pretexto de que a política precisava. Qualquer que seja a versão, mais circunscrita ou generalizada, sabe-se quem perde: os mais desfavorecidos. Carne para canhão na guerra, seja ela "só" económica (com o desemprego ou a inflação) ou política (com a própria vida).

Os outros! Fora e dentro, os outros são o nosso problema quando talvez devessem ser problema nosso. Na melhor das hipóteses fazemos por os ignorar, por considerar que os problemas deles são deles e não nossos. Estão desempregados por não quererem trabalhar. Pobres por não merecerem mais. Endividados por não terem cabeça. No fundo, têm o que merecem! Quando os problemas deles se impõem como problemas nossos, por nos termos tornado nos "outros" deles, pode ser tarde de mais. É-o, certamente, no plano ético, mesmo que ainda haja uma solução, ou melhor, um remedeio no terreno da política e da economia.

Prevenir é, apenas, pragmatismo, não um modelo de sociedade. Ainda assim, requer uma atenção acrescida ao outro e ao detalhe. Por exemplo, quanto à tão falada igualdade de oportunidades, central ao discurso liberal de pacotilha. A igualdade de oportunidades, a sério, tem pré-condições exigentes que não se reúnem sem políticas de discriminação positiva, por exemplo na educação. As autarquias são a entidade mais bem colocada para atacar o problema, por o conhecerem e sentirem de perto. Para tal precisam de ser dotadas de meios humanos e financeiros que o centralismo orçamental lhes nega, até ao dia em que já seja tarde!

Ao contrário do que muitos propagandeiam, o "darwinismo" não defende a sobrevivência dos mais fortes mas dos mais aptos. É disso que os mais fortes têm medo. Quando os mais fortes impõem leis que os consagram como os mais aptos, só por acaso a evolução conduzirá a um bom resultado. E não é por acaso que nos países menos desenvolvidos é, precisamente, aquele o padrão: as instituições fracas e vulneráveis a jogos de influências perpetuam e aprofundam as diferenças que, por inércia, acabam por ser consideradas "naturais". O fatalismo e o providencialismo são duas consequências típicas. É preciso algo ou alguém que nos tire desta situação. Pode ser um ditador, o mercado ou o Estado. Deus ex machina. Os amanhãs que cantam. O milagre económico. Tudo ou nada.

Quando a ilusão dá lugar ao desencanto, o terreno fica, porventura, ainda mais propício para soluções radicais, simplistas e demagógicas. O problema são os outros. Mesmo quando eu já fui o outro: imigrantes contra imigrantes, empregados contra desempregados, Norte contra Sul, Sul contra Sul. O Mundo está perigoso, dizia Victor Cunha Rego.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

Alberto Castro