Cultura

Reportagens de García Márquez sobre o 25 de Abril

O escritor colombiano Gabriel García Márquez, que morreu, estq uinta-feira, na Cidade do México, escreveu três reportagens sobre a revolução em Portugal em 1975, descrevendo que os portugueses andavam tão contentes com a liberdade que "deixaram de respeitar os semáforos".

Asreportagens foram publicadas em julho de 1975 na revista Alternativa,um semanário fundado por si e por um grupo de intelectuais deesquerda, em Bogotá, e resultaram de uma visita a Lisboa, quecomeçou a 1 de junho.

"Portugalestá condenado a sentar-se de sapatos rotos e casaco remendado namesa dos mais ricos do mundo", escreveu García Márquez, aindao debate sobre a adesão à então Comunidade Económica Europeia eraincipiente no país.

Na capitalportuguesa, que descreveu a um amigo como "a maior aldeia doMundo", falou com políticos, militares, almoçou e jantou comescritores portugueses - como o então general Otelo Saraiva deCarvalho, Vasco Gonçalves, os escritores José Saramago, entãodiretor adjunto do DN, José Cardoso Pires ou Maria Velho da Costa.

"Foiuma breve, mas intensa semana em que tive ocasião de conversar comministros e operários, com escritores incrédulos e comerciantesassustados, com dirigentes inseguros e com militares seguros do seupoder e com nenhum bispo", escreveu na reportagem intitulada"Portugal, território livre da Europa" o escritor queviria a ser Nobel da Literatura de 1982.

De VascoGonçalves, o coronel que era primeiro-ministro, mas não se sabia"de ciência certa" se era comunista, García Márquezguardou a imagem de "um homem muito humano e austero" que,quando falou com ele, já não dormia há 24 horas e queria "conduzirPortugal para um socialismo democrático sem compromissos com osblocos".

De MeloAntunes, o ideólogo dos moderados e então ministro dos NegóciosEstrangeiros, recordou como "um fumador nervoso" que "passade uma conversa política para uma discussão sobre literatura".

Das ruas,García Márquez descreve um país a viver "num bulício",a nível político, social, cultural e também nos costumes.

"Nosrestaurantes caros, onde os mariscos são exibidos como joias nasmontras, os burgueses em retrocesso desancam verbalmente oscomunistas. (...) Nos restaurantes populares, os empregados perguntamse deve receber gorjeta", afirmou.

O autor de"Cem anos de Solidão" fez a descrição do ambiente deLisboa, onde "toda a gente fala e ninguém dorme", onde háministros que marcam reuniões para a madrugada.

Depois dedécadas de uma "ditadura medieval", Gabo anotou tambémuma explosão de erotismo na sociedade portuguesa em 1975.

"Oerotismo invadiu os cinemas, os quiosques de jornais, fazendo com quemilhares de espanhóis atravessem ao fim de semana a fronteira parapoderem ver o filme mais proibido em Madrid, 'O Último Tango emParis'", segundo escreveu na revista Alternativa.

Mas o paísvivia uma revolução e García Márquez, amigo do líder cubano,Fidel Castro, tinha um olhar otimista sobre a Revolução dos Cravos.

É assimque o escritor termina a terceira e última reportagem sobre Portugalcom a convicção de que os militares do Movimento das ForçasArmadas (MFA) conseguirão "inventar esse socialismo àportuguesa".

"Odesafio é enorme, mas estou convencido, modestamente, que vãoconsegui-lo", concluiu.

Redação