O secretário-geral da Amnistia Internacional advertiu, esta segunda-feira, que a 'saída limpa' de Portugal do programa de resgate representa também uma "saída muito dolorosa para muita gente" e pediu ao Governo que avalie as consequências da austeridade nos direitos humanos
"Portugalestá muito orgulhoso de ter conseguido uma 'saída limpa' doprograma de resgate. É uma 'saída limpa' de um ponto de vistaeconómico e financeiro, mas é uma saída muito dolorosa para muitagente", disse Salil Shetty.
Ementrevista à Lusa em Lisboa horas antes de se reunir com oprimeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, o responsável da organizaçãode defesa dos direitos humanos sublinhou: "Não podemos associaruma 'saída limpa' de uma perspetiva macroeconómica com uma 'saídalimpa' para as pessoas que estão a sofrer".
Para olíder da AI, que visitou Lisboa esta segunda-feira, "uma dasquestões mais urgentes [em Portugal] agora é a das medidas deausteridade e do impacto das medidas de austeridade" nosdireitos humanos.
"Umadas recomendações que fazemos é que deve haver um mecanismonacional de monitorização do impacto nos direitos humanos dequalquer mudança nas políticas que o governo aplica", disseShetty.
Afirmandoque "toda a gente entende que a economia estava numa situaçãodifícil", o responsável sublinhou que antes de se tomarmedidas deveria haver "uma avaliação adequada dos impactosdessas medidas em todos os grupos, em particular os maisvulneráveis".
"Anossa avaliação é que isto não foi feito de forma sistemática",disse, sublinhando não haver dúvidas de que os grupos maisvulneráveis, como os idosos, as crianças, as mulheres e acomunidade 'roma', sofreram até agora "um impactodesproporcionado".
Shettydefendeu ainda que as medidas de austeridade têm de ser temporárias,não podem ser permanentes: "Se dizemos que há uma crise, asmedidas têm de ter um prazo e o governo tem de ser transparente eresponsável por garantir que estas políticas mudam".
Numaaltura em que Portugal e a Europa se preparam para as eleiçõeseuropeias, o responsável da AI apelou para que Lisboa assuma umpapel mais ativo na defesa dos direitos humanos a nível europeu.
Recordandoque a Europa vive atualmente um problema relacionado com asmigrações, que Portugal não sente na pele, Shetty afirmou queLisboa "deve ter uma voz mais alta para garantir que os direitosdos migrantes e dos refugiados são garantidos".
"Ninguémdiz que a Europa tem de abrir as portas a toda a gente, mas ao mesmotempo não podemos tratar as pessoas que fogem da perseguição e dapobreza como se fossem criminosos", afirmou.
"Nãose pode detê-los, não se pode empurrá-los de volta para o mar.Isso é uma violação dos valores europeus de inclusão, igualdade esolidariedade, mas também é uma violação da lei internacional",sublinhou o responsável afirmando esperar que Portugal possa"levantar a voz sobre este assunto".
Questionadosobre a candidatura de Portugal a um lugar no Conselho de DireitosHumanos da ONU, Shetty disse ter uma "visão mista".
"Umdos aspetos positivos" é que Portugal já ratificou muitas dasmais importantes convenções internacionais, como o protocoloopcional sobre os direitos económicos sociais e culturais, e fez "umtrabalho muito progressista" na convenção europeia daviolência doméstica e violência contra as mulheres.
Noentanto, afirmou, "muitas questões ainda ficam no papel e naprática ainda há muitas lacunas".
O grandedesafio para Portugal, afirmou, será "reconciliar a lacunaentre as declarações e as práticas reais".