Paulo Ferreira

Os juízes são uns chatos, não são?

O Tribunal Constitucional (TC) mandou, ontem, o Governo trabalhar. Assim mesmo: sem misturar papas no argumentário, os juízes disseram ao Executivo liderado por Pedro Passos Coelho que não lhes cumpre dizer para que lado deve apontar a agulha da "bússola" que o primeiro-ministro pediu, quando se viu confrontado com novo chumbo do TC - essa tarefa pertence, num país normal, ao poder Executivo. "Não cabe ao TC esclarecer outros órgãos de soberania sobre os termos em que estes devem exercer as suas competências no plano administrativo ou legislativo", dizem os juízes. A César o que é de César.

Antecipandoeste previsível desfecho, Passos Coelho foi a Belém pedir aopresidente da República que "obrigasse" o TC a proceder àfiscalização preventiva, ou sucessiva, dos diplomas que podem mexernas contas do défice. Percebe-se o alcance da "jogada" de PassosCoelho: uma vez que não é possível convencer os juízes da bondadedas medidas que cortam direitos e emagrecem bolsos, é preciso colarCavaco Silva a esta equação, de forma a pressionar os chatos dosjuízes.

Sucedeque a "jogada" tem um risco incomportável para o chefe deEstado. Sabendo-se que correr riscos não é propriamente o desportopreferido de Cavaco Silva, por que razão haveria ele de se meternesta embrulhada? Mais: supondo que o presidente da República podemuito bem não encontrar qualquer inconstitucionalidade nos diplomasdo Governo, que sentido teria enviá-los para o TC, apenas naexpetativa de que os juízes, enfim, se dispusessem a mostrar a luz aPassos Coelho?

Nodiscurso do último 10 de junho, Cavaco tratou de recuperar o terrenopolítico que perdera, ao sufragar, uma e outra vez, o caminhotrilhado pelo Governo. Ao forçar novamente um entendimento aocentro, o presidente da República balizou com rigor aquilo quedeseja: o país não pode chegar à decisiva elaboração doOrçamento do Estado para 2015 com os partidos do arco da governaçãotão distantes como hoje se encontram. Vale o mesmo dizer: é precisoencontrar modo de desfazer o nó górdio feito pelos partidos docentro. Ora, isso é absolutamente contraditório com o que Passosfoi pedir a Cavaco. Se o chefe de Estado aceitasse fazer demensageiro, morria a mensagem e o portador da dita.

Tudovisto e revisto, resta dizer duas coisas.

Uma:podemos aplaudir ou criticar as decisões tomadas pelo TC; o que nãopodemos é aceitar que os juízes sejam pressionados por interpostapessoa, sobretudo quando essa pessoa é o chefe de Estado. Por isso,convinha que Passos Coelho e os seus conselheiros ponderassem umpouquinho melhor a geografia dos estragos antes de proclamarem a"guerra".

Duas:estadiscussão sobre o TC, que se arrasta adnauseaum,contém em si uma profunda hipocrisia. Convém talvez lembrar que 10dos 13 juízes são propostos pelos partidos e sufragados peloParlamento. Com jeitinho é até possível identificar quem indicouquem e quem é amigo de quem.

Demodo que, no final do dia, a culpa não é dos indicados. É de quemos indicou. Por ter partido do princípio de que bastava indicar paragarantir que, chegado o mau tempo, haveria no TC guarda-chuvas paraamparar o dilúvio...

Redação