Há uma linha ainda por definir quanto à origem das 60 demissões no Hospital de São João. São os cortes 'troika' sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS) a fazer com que o mais eficiente hospital público do país rebente com esta bomba sobre o ministro da Saúde? Ou, pelo contrário, é o facto de o Ministério da Saúde não premiar a gestão exemplar do Hospital de São João que leva a esta revolta? É que, se assim for, o problema central não é o dos cortes no SNS mas sim o de alguns hospitais cortarem e outros não - desequilibrando todo o sistema e beneficiando quem não cumpre.
O desempate desta questão pode estar na resposta do presidente da Administração, António Ferreira, nesta edição. Que diz: as demissões em bloco "refletem exclusivamente a situação do Centro Hospitalar de São João". Sem outros hospitais a reboque, portanto.
[perguntas]
[1] As demissões em bloco no Hospital de São João refletem a impossibilidade de se continuar a cortar no Serviço Nacional de Saúde?
[2] Os médicos têm razões suficientemente fortes para romper relações com o Governo?
[respostas]
António Ferreira, presidente do Conselho de Administração do Hospital de S. João
[1] Refletem exclusivamente a situação do Centro Hospitalar de São João.
[2] Não.
Manuel Antunes, cirurgião toráxico e professor da Universidade de Coimbra
[1] Isto é o reflexo do sentimento de impotência dos profissionais, que não conseguem compensar os sucessivos cortes na saúde. A única coisa que me entristece é que a culpa seja toda colocada nos profissionais de saúde, que não têm culpa nenhuma.
[2] Nas suas decisões, o Governo tem frequentemente ignorado a opinião e a experiência técnica e de campo dos médicos e das suas organizações. Daí a actual contestação, mas apenas a FNAM decidiu adoptar essa medida radical.
Mauricio Barbosa, bastonário da Ordem dos Farmacêuticos e prof. da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto
[1] Julgo que a questão reside mais no prémio ao mérito, do que nos cortes. Há que reconhecer o elevado desempenho do HSJ. E evitar que a qualidade e os ganhos de eficiência do HSJ sejam injustamente penalizados pelo "centralismo".
[2] Penso que não, com todo o respeito pelas razões que possam assistir aos médicos. A ruptura de relações não é positiva para o sistema de saúde. A situação em que se encontra o País exige da parte de todos espírito de abertura e de cooperação institucional.
Isabel Vaz, presidente da Comissão Executiva da Espírito Santo Saúde
[1] Não conheço as razões objetivas que levaram a esta demissão, o que significa que não posso estabelecer essa relação. Mas é possível dizer que há uma grande desmotivação nas várias unidades do Serviço Nacional de Saúde, grande parte devido a três anos de austeridade que afetaram necessariamente todo o setor.
[2] Não. Quando os protagonistas têm a responsabilidade que estes têm, não é opção não chegarem a acordo. Se as respetivas motivações são técnicas, o dever do Ministério e dos médicos é fazer tudo o que estiver ao seu alcance para assegurar os melhores níveis de qualidade assistencial e de acessibilidade ao sistema de saúde. A menos que as motivações sejam de outra ordem, política por exemplo...
Nuno Sousa, diretor do curso de Medicina da Universidade do Minho
[1] As demissões no H.S. João refletem o desanimo daqueles que têm vindo a fazer uma gestão adequada dos recursos. De facto, a liderança do HSJoão tem feito ao longo do tempo uma gestão muito correta, mas no início de cada ciclo negocial é tratado de forma idêntica aos que o não fizeram. Desta forma, infelizmente, só se premeia os incumpridores.
[2] As relações estão muito tensas em resultado de um conjunto de medidas que não me parecem ter sido adequadamente ponderadas pelo Ministério.
Paulo Mendo, antigo ministro da Saúde
[1] Neste momento não tenho ainda os elementos suficientes para dar opinião.
[2] As organizações profissionais dos médicos e a sua Ordem devem naturalmente defender o mais possível a qualidade, humanidade e excelência dos serviços de saúde Por isso em período de crise extrema como aquela que o País vive, a radicalização de posições sob ameaça de greve, apenas leva a piorar o clima social sem que nada de útil possa resultar.
Purificação Tavares, médica geneticista, CEO CGC Genetics
[1] Certamente os factos não serão tão simples quanto os títulos dos jornais parecem indicar. É possível melhorar a organização dos serviços de saúde, e também há áreas em que não é possível cortar. De um diálogo franco e verdadeiro sairá beneficiado o doente, quer na qualidade do serviço real, quer na qualidade apercebida.
[2] É indispensável atingir um equilíbrio sem afetar a qualidade da prestação em saúde. Para isso é preciso dialogo aberto e compreensão de todas as partes.