Miguel Cadilhe

Um dos países mais centralizados da Europa

No gráfico, pode o leitor ver que temos um dos mais elevados graus de centralismo orçamental no conjunto dos países europeus da OCDE.Em Portugal, 87% da despesa pública está centralizada.

Registemoso facto: foi pela mão do centralismo,pois, que chegámos ao colapso das finanças públicas de 2011. Einterroguemo-nos. Como é que o Estado centralizado se revelou, afinal, um desmesuradogastador? Como é que o centralismo nãoimpediu - ao invés, fomentou - a indisciplina financeira, o descontrolo, odespesismo, o défice, o endividamento, a insustentabilidade?

OEstado centralista é auto-reformável?

O centralismotem sido sinónimo de despesismo. O Estado centralista precisa de uma reformaprofunda. Dificilmente, porém, o Estado centralista se auto-reforma. Quando muito, o Estado passa de uma a outra forma decentralismo. Ora, esta longa tradição portuguesa, que é centrípeta edespesista, poderia mudar se o Reformador assumisse uma reforma estrutural doEstado orientada por princípios de subsidiariedadee vigilância. Seria uma outrafilosofia da reforma, em que o Reformador veria na "descentralização política"e na contenção de gastos a sua grande motivação.

Se fosse bem feita,se fosse sujeita a apertado enquadramento legal e a bons controlos centrais(sim, digo centrais), se fosse dotada de instituições de qualidade, descentralizadase centralizadas (sim, digo centralizadas), a "descentralização política" poderiarevelar-se o melhor caminho para a reforma do Estado macrocéfalo e incontido quenos rege. É o caminho da "regionalização" que a Constituição manda, em vão, seguirhá quase 40 anos.

A descentralizaçãoé despesista?

Sei que muitagente pensa que descentralizar é criar mais despesa, mas a minha mais firme convicçãoé que isso depende do modo de descentralizar. Defendo que não há boa descentralização política sem boas regras orçamentais e sembons controlos centrais. Uma rigorosa e temível vigilância central é um aliado da "descentralização política", numquadro de regras europeias das finanças públicas. Regras que, aliás, convivemcom o facto de quase todos os países da UE serem politicamente descentralizadosaos níveis municipal e regional.

A vigilância central é, assim, um alicerce.Tentemos aprender com o passado. Quando a vigente "descentralização política" (municípiose regiões autónomas) derrapou financeiramente, a falha foi também, e antes demais, das instituições de vigilância da República, que são "centrais". Foi ocentro político e institucional da República, foi o seu sistema de justiça efoi a separação constitucional de poderes, quem teve falhas de efectividade nos mecanismos de controlo da despesadescentralizada.

Adescentralização piora o uso dos recursos?

Respondo quenão. É o contrário. Entendo que não háboa afectação de recursos públicos noterritório sem bons contra-balanços políticos. Não temos, no Continente, umcontra-balanço orçamental à altura da poderosa Administração Central, nem das reivindicativasRegiões Autónomas. Aquela e estas são relativamente fortes perante todo o restonacional que se encontra pulverizado na "descentralização municipal". Entre onível municipal, por meritório que ele seja (e é), e o nível central, o territóriocontinental não tem voz política independente e audível, legitimada poreleições. Tem vozes nomeadas, ou um misto de vozes, não tem vozes eleitas peloscidadãos. O nomeado depende do nomeador, numa relação essencialmentehierárquica. O eleito depende dos eleitores, numa relação essencialmentedemocrática. Se existissem as cinco "regiões" desenhadas para o Continente, certasdespesas públicas seriam muito mais escrutinadas e talvez fossem mais travadas.O poder central seria interpelado pelos poderes regionais, e todos entre si, porcausa da boa, má, péssima afectação dos recursos escassos. De que,infelizmente, temos demasiados exemplos.

Além dos contra-balanços,há a razão da descontinuidade institucional e democrática entre a visão centrale a visão local. Sem "regiões", perde-se justeza e sensibilidade. É mais umcorolário do princípio da subsidiariedade.

Miguel Cadilhe